CAPITULO-I
Era uma casa simples fincada num quintal enorme cujo fundo terminava onde lentamente
passava um riachinho sempre crivado de
guarus. Num dos lados da casa
via-se uma chaminé de tijolinhos onde uma
gaze de fumaça meneava seu corpo
frágil ao sabor
do vento. Na varanda, samambaias
de metro desciam a tocar o chão enquanto
um pé de madressilva florescia já a alcançar
o madeirame do teto. Era caiada e possuía portas e janelas grandes
pintadas de azul.
O quintal varrido por
improvisadas vassouras feitas de guanxumas ficava liso de tal forma que as
gudes rolavam tranquilas. As folhas das bananeiras pareciam grandes orelhas a
ouvirem o que os meninos combinavam para
o dia. As touceiras de cana riscada, mel da terra, estercadas por patos e
galinhas que solenemente, depois de ciscarem, descansavam em suas sombras. O
limoeiro carregado de mexericas, era assim que
os vizinhos chamavam até saberem tratar-se de limão-rosa. Ali morava o
menino Frederico. Há algumas casas abaixo, moravam seus fiéis amigos, Samuel e
Natalino.
Cada um com suas habilidades:
Natalino conhecia a arte da pesca com linhada ou vara, além das arapucas, laços e visgo. Conhecia
também as frutas do mato, o que era bom e o que não era bom
para se comer. Frederico era mais ligado
em inventar ou criar coisas, brinquedos além da astronomia. Samuel adorava literatura
e já rabiscava alguma coisa, mas, parecia que além disso tinha jeito para cuidar
de pequenas feridas em animais ou gente. Certa tarde, Natalino
chegou para jogar bola como haviam combinado. Porém o seu pé estava inchado, aliás, já fazia algum
tempo que sofria com isso. Era só dar uns chutes e o peito do pé direito arruinava
muito. Naquele dia, Samuel estava presente e notou o enorme inchaço. Natalino
estava sentado à beira do campo e Samuel lhe pediu para expor o pé vurmoso, ele
queria dar uma olhada. Tocou levemente e sentiu
que havia algum corpo estranho ali. A pele parecia uma seda de tão fina.
__ Olha! Vou puxar viu?
__ Caracas, dói!
__ Vai deixar ou não?
E perguntando agarrou a
ponta e puxou. Puxou de uma vez. Era uma farpa de madeira de uns dois centímetros. Primeiro, o grito, o
sangue e o pus. Depois , o alívio, o sorriso. Dali para a frente Natalino pode até usar sapatos, quando pode comprar um par deles.
Numa manhã de domingo
após o café, o senhor Bernardo apressou-se a apanhar o jornal costumeiro. Logo na primeira
página em letras grandes um título chamava a atenção.:
__ Frederico, venha ver
isso aqui! Alarmou o pai.
Era abril de 1961,
quando o cosmonauta Soviético Yúri Gagarin a bordo da Vostok-1, transformara-se
no primeiro homem a orbitar o planeta terra numa altitude assombrosa. Concluiu
a façanha em 108 minutos. Maravilhado ele exclamou: "A terra é azul".
Porém, por causa desse
histórico acontecimento alguma coisa não ficou bem. Isso tornou-se a centelha
que deu início a uma corrida espacial sem precedentes entre EUA e URSS,
exacerbando ainda mais a chamada guerra fria entre as duas potências que já se arrastava desde o final da segunda
grande guerra.
"Isso tudo não
passa de lorota, propaganda pra vender mais jornais e revistas. Efetivamente não
acreditavam que um ser humano colocado dentro de uma rústica bola de aço pudesse voar tão alto,
cair no deserto e ainda sobreviver!"
Este era o pensamento
da maioria das pessoas que viram a notícia. Gente refratária à coisas da ciência. A incredulidade era
muito forte e tinha lá suas razões, exceto para Frederico, aquele menino
sempre adorou tudo relativo à ciência espacial e essa não foi diferente.
De imediato o menino se
apoderou daquela página de jornal e leu e releu até perder a conta e o sono....
No dia seguinte durante
o recreio da escola chamou seus dois amigos mais próximos, Samuel e Natalino e
a eles mostrou com júbilo o pedaço de jornal. Logo estavam rodeados de curiosos
que palpitavam a respeito.
_ Que tal a gente
construir uma coisa assim parecida e brincarmos de viagem espacial? Perguntou
Frederico com os olhos brilhantes.
_ E como a gente
constrói essa jabiraca? Gritou Natalino.
_ Vamos pensar!
Pensaram?
Uma ideia veio assim
como um raio e foi de Samuel.
_ Um tambor!
_ Batata! Gritou
Frederico. Vamos colocar isso no papel. Concluiu.
E assim fizeram naquele
mesmo dia.
Os três meninos andavam
sempre juntos, e assim ganharam o apelido de "os três da vila” sempre acompanhado
pelo cão de Frederico que se chamava Turuna.
A vida caminhava
tranquila para os meninos. Escola e brincadeiras. Também regulavam na idade,
onze para doze anos.
Sara irmã mais velha de Samuel, já há algum tempo, demonstrava uma forte queda por
Frederico. Quando o via, seu coração acelerava, porém a reciprocidade não era
verdadeira e isso deixava a menina quase sempre emburrada. Os estudos, as invenções
e criações das traquitanas era o que realmente interessava e ocupava a mente de
Frederico.
Depois da aula dirigiram-se
os três até o Ferro-Velho do senhor Maneco na esperança de encontrar o que
desejavam para a construção de mais uma daquelas engenhocas..
Na entrada mal cuidada,
havia um frondoso pé de urucum que além de uma sombra acolhedora forrava o chão
com seus ouriços maduros e fendidos pelo calor. Pisando com cuidado
entraram e já começaram a escarafunchar
com os olhos, algo que lhes interessasse.
__ Caramba carambolas! Olha lá no meio daquela bagunça toda, gritou
Natalino despertando o velho que tirava
um cochilo:
_ O que querem aqui
seus moleques? Esbravejou ele com seu sotaque lusitano.
_ É aquele tambor velho
ali, o senhor daria ele para nós? Antecipou Frederico.
_ Se me pagam!
_ Mas é velho e não
serve pra nada seu Maneco!
_ Ora! Se não serve pra
nada por que querem?
_ Caramba carambolas!
Não falei que isso não daria certo? Irritou-se Natalino.
__ Espera! Gritou Samuel Quanto custa?
__ Três mangos, preço de balas, sem pechincha!
Os meninos se reuniram numa
conferência.
__ O senhor compra garrafas? Perguntou
Frederico.
__ Se for de cerveja pago cinquenta centavos, pois.
__Tudo bem seu Maneco a gente volta!
Saíram os três a passos
cuidadosos e com olhar de pura traquinagem.
Bastou o velho Maneco dar as costas para se embrenharem em meio àqueles
escombros de ferros garrafas e madeiras e
coisas indefinidas..
__ Mas, pegar assim as
coisas dos outros, não é o mesmo que roubar? Perguntou aflito o menino Samuel.
__ Não! Se agente pagar
depois. Disse Frederico aprumando o peito.
__Ah é?? Sei não. Isso ainda vai dar encrenca. Respondeu
Natalino.
__ E então? Perguntou
Frederico!
A trapaça se consumara
embora não com unanimidade.
Por fim saíram daquele monte de coisas e insetos além do calor insuportável
e cada um com duas garrafas, fingindo entrar novamente se dirigiram até o
velho Maneco e trocaram as garrafas por um velho tambor que uns ramos de
ipomeia já tomavam conta!
Rolaram o tambor pelo
mato até chegarem à casa de Frederico e lá o esconderam sob umas ramagens. Aquilo
afinal era segredo de Estado!!
Sujo da cabeça aos pés,
Frederico chegou de mansinho evitando se encontrar com sua mãe. Tentou a janela
do quarto, porém , sua mãe entre as roupas coloridas no varal o flagrou:
__ Pela janela? Onde
você se meteu menino? Olha só para isso,
parece que saiu de uma chaminé! Já para o banho!
No meio da conversa
apareceu Aninha sua irmã e disse:
__ No mínimo estava com
Samuel. Vivem, grudados como chicletes. Mãe! ele não deixa o menino em paz.
__ O quê? Ciúmes agora? Esbravejou o irmão.
Emburrada, Aninha
correu para seu quarto e lá se fechou.
Depois do banho e
roupas trocadas, saiu o menino Frederico ainda mastigando um pão com manteiga,
rumo à casa de Samuel.
Lá chegando encontrou
Sara aos prantos sentada num dos degraus da escada que dava para a cozinha. Os
intermináveis soluços da menina tornavam
quase incompreensíveis suas palavras. Num gesto de cavalheiro abraçou-a
dizendo:
__ Calma! Calma! O que
aconteceu a final?
__ Veja lá dentro! Está
morto, viu? Ontem à noite estava bem.
Frederico ficou trêmulo, angustiado, mesmo
assim perguntou:
__ Quem morreu?
__ O meu ramster
está morto!
Aliviado e disfarçando
os tremores nas pernas, consolou-a por um bom tempo tendo-a em seus braços.
O momento era de
tristeza, mas a menina se sentia amparada e privilegiada por estar
junto de quem alimentava uma
paixão. Logo a cor saudável voltara ao
rosto de Sara e um tímido sorriso se fez.
Lá no fundo do quintal,
numa cova de um palmo sepultaram o querido bichinho de estimação. Duas pedrinhas e uma cruz de graveto marcavam
o lugar.
A semana foi intensa
para os meninos Tudo era um segredo só. Rabiscaram várias vezes num pedaço de
papel o que seria na realidade a tal
espaçonave. O tambor caíra como uma luva. Apoiado sobre quatro tijolos, tinha
como ogiva, um velho guarda-chuva que ficava meio aberto, escotilha e um fumacê
que vinha da queima de estopas molhado
de querosene. Finalmente chegara o sábado, o dia tão esperado do voo inaugural.
Os amigos e convidados foram
chegando. Logo, o quintal da casa de Frederico parecia um parque de diversões.
Cada viajante teria que dizer uma frase, assim como fizera Yúri Gagarin a oito anos atrás.
Entre uma viagem e
outra, apareceu para surpresa de todos, Dona Amélia, mãe de Frederico,
acompanhada do senhor Bernardo, trazendo
um bolo de fubá, um bule com chá mate e
uma jarra com refresco feito de limão rosa. E até um redator do jornal
do Bairro.
__“Ah! daqui de cima a terra parece uma bolinha de
sabão solta no espaço. Que linda!” Disse
um.
__ Que bom seria se
todos pudessem ver a terra aqui de cima, somos frágeis como uma bolinha de
sabão. Disse outro. E outro disse sorrindo: __ "A terra é azul"
E assim, os voos foram
se sucedendo assim como as frases também até o ultimo viajante.
E foi a tempo pois uma
névoa úmida já tomava conta de tudo,
fazendo desaparecer a grande muralha azul e pintando a paisagem de uma cor
única, antecipando o lusco-fusco!
CAPITULO-II
A rua onde moravam era
simples, descalça batida com cascalho de rio. Do lado de fora da casa de
Frederico, junto a cerca viva, havia um banco feito de um velho dormente de
estrada de ferro, onde os guris e adultos sentavam e contavam histórias. Também
era comum sentar-se nesse banco, simples transeuntes, bêbados e até gente gira
da cabeça. Um banco bem democrático!
Era comum acenderem uma
fogueirinha quase todas as noites, mesmo não sendo época delas. Ali em volta do
fogo os meninos contavam e ouviam histórias que iam se sucedendo, desde as
engraçadas até as mais cabulosas. Esse momento só era quebrado com o apito do
guarda noturno, avisando que já era hora
de entrar para casa.
Mas as fogueiras pra
valer eram aquelas do mês de junho. E o caminhar do calendário trazia a todos
mais uma vez, a véspera de São João.
Pela redondeza haviam alguns arraiais, como o Arraiá da curva reta; o Arraiá do
Chicão; e o do João Tibúrcio, esse um dos mais concorridos.
O terreiro do seu
Tibúrcio, batido e varrido ficava um
encanto enfeitado com bambus verdes entrelaçados e alguns vasos
de guembés estrategicamente colocados. Varais com bandeirinhas coloridas
se agitavam dando um toque especial à festa. Um enorme portal enfeitado com
barba-de-velho convidava a todos.
A grande fogueira
alimentada por grossas toras era capaz de arder por uns três dias após a
festança. No auge da comemoração as
rezadeiras vinham em ladainhas de
dentro da casa até o lugar onde seria erguido a bandeira ao santo homenageado.
Então depois de longa espera o mastro era fincado, acompanhado por um
ensurdecedor espocar de fogos e por fim lá em cima balançava mais uma vez, a bandeira pra São
João Batista, início então dos comes e bebes que fartavam sobre compridas
mesas, dentro e fora da casa.
Mas, Frederico e sua
turminha não estavam ali somente por causa dos quitutes e doces que a festa
oferecia. As varetas dos rojões que acabavam de ir ao céu, eram disputadas pau
a pau pela gurizada como se valessem uma
medalha de ouro. E caiam em lugares dos mais difíceis como num mato
fechado ou num charco que havia.
Por lei os balões
chamados caseiros, balões grandes, eram proibidos por causa, principalmente, da
implantação de um complexo industrial químico nos arrabaldes da cidade.
Campanhas massivas eram feitas nessa
época. Todavia era possível ver pequenos
balões aos quais chamavam de chinesinho. O céu, nessa época, ficava salpicado
deles. Subiam e logo caiam. Tinha para
quase todo mundo. Valia a pena correr pelos campos orvalhado e espinheiros, atrás
de um desses. Com certeza, valiam mais que as varetas dos rojões. Os marmanjos
ficavam sempre de alcateia aguardando para assaltar e ainda fazer troças, mas,
quase sempre os pequenos conseguiam sair ilesos com seu troféus às mãos.
Conta a história que certa noite de junho, Natalino
se viu em apuros após conseguir pegar um desses balõezinhos. Quando entrou na rua onde morava, viu-se
cercado por uns cinco garotos mal
encarados, da outra vila. Porém com a ginga e rapidez que Deus lhe dera
conseguiu driblar um a um até chegar no último que era enorme. Parou à sua
frente, gingou pra lá gingou pra cá até conseguir passar por entre as pernas
deste como se fosse uma bola num jogo de futebol. Quando o grande se virou, o
franzino Natalino já estava a um tiro de pedra de distância. Embasbacados, não
acreditaram no que acabara de acontecer. Prometeram pegá-lo mais tarde,
felizmente isso não aconteceu. E assim o menino Natalino chegou em casa
levitando de alegria e júbilo pela dupla façanha conseguida.
Na quermesse do senhor
João Tibúrcio as famílias se confraternizavam.
Espalhados pelo terreiro, contavam histórias e riam. Alguns namoricos
aqui, acolá, alguém pisando em ovos por abusarem demais das bebidas e na
vitrola próxima à porta, velhas canções eram ouvidas e dançadas também. Porém
os meninos, seguindo um rito tradicional, não tiravam os olhos do céu. O céu
que naquela noite estava se derramando
de estrelas, sem contar uma lua quase
crescida, bem na cumeeira da igreja.
Não demorou e
alguém deu o alarme!
— Um balão! Sussurrou.
Era um balãozinho de
seda parda que mesmo se esforçando não
conseguia mais subir, caia num capinzal.
— Vai cair perto dos
trilhos, o vento tá mudando.— Afirmou Jonas cruzando os dedos.
— É só nosso, não tem
ninguém por perto!. —Confirmou Jorge.
Saíram os três em desabalada correria até uma várzea
onde o balãozinho supostamente havia caído. Mas quando lá chegaram algo
diferente chamou-lhes a atenção.
—Ah! não, caramba
carambolas o que é aquilo!— Exclamou Jorge, chegando primeiro ao local.
— Esquisito, não é um
balão! E como brilha!— Espantou-se Júlio.
— Então vamos sair
daqui agora, corram!— Desesperou-se Jonas.
Começaram a correr, menos Júlio que ficou estagnado olhando aquelas
luzes. — Gritou Jorge:
— Corre besta!
Júlio parecia uma
estátua, então os dois voltaram para resgatá-lo, todavia quando chegaram perto
um aro de luz azulada prendeu-os pelas canelas, imóveis, apenas mexiam os olhos
e o que assistiram nunca mais esqueceriam. Entre uma fina ramagem estava um objeto em forma
cilíndrica com luzes laterais na cor verde, que pairava sobre um riacho que ali
havia e margeava os antigos trilhos da city. De seu
bojo saia uma luz alaranjada que aparentemente parecia recolher água ou outra
coisa desse riacho. Não demorou e o facho cor de laranja se recolheu, a nave ou
seja o que fosse, deu meia volta e desapareceu silenciosamente no espaço como
uma lâmpada que se apaga. Os aros azuis também se apagaram libertando-os.
Trêmulos correram o quanto puderam. O balãozinho e a festa, tudo, ficou para
trás mas na memória deles, tudo ainda parecia estar acontecendo.
Os dias que se seguiram
foram para eles, muito estressantes. Mal se alimentavam, na escola estavam
dispersos durante as aulas e quando se encontravam, evitavam falar sobre aquele
acontecimento. As marcas deixadas pelos
aros da cor azul, ainda estavam em suas canelas como a provar a
veracidade do acontecido, mas aos poucos foram desaparecendo.
É curioso que na
história da humanidade sempre se observou nos céus tais objetos luminosos e que para cada
período deram a eles nomes bem sugestivos.
O livro: -O Triângulo das Bermudas, de Charles Berlitz- nos presenteia com uma plêiade de denominações curiosas e seus autores.:
Aristóteles, conhecendo
bem os jogos de lançamento de discos,
modalidade esportiva praticada por atletas gregos da época, deu aos objetos
observados o nome de "discos celestiais".- Alexandre “ O Grande” familiarizado
com as armas de guerra comparou-os com grandes "escudos prateados e brilhantes". – Nos tempos
das grandes navegações e descobrimentos esses objetos foram chamados de "barcos voadores". Os Havaianos descreveram os objetos vistos há muitos séculos de "akuatele"- espíritos voadores. E seguindo uma tendência natural,
os meninos, chamaram-no de; "Tambor voador".
Tudo o que aconteceu naquela noite, ficou então entre eles e seus familiares, porém, nos dias que se seguiram, toda a cidade já comentava o acontecimento.
Era um sábado de manhã
e Júlio amanhecera resfriado, coriza abundante e tosse seca. “ Constipação”
disse dona Gemima, a avó do menino, ajudando na faxina de final de semana. Não perdeu tempo, rapidamente tirou de um pequeno armário uma espécie
de maleta onde havia carreiras de vidrinhos de remédios homeopáticos.
— É gelsemium e
pulsatilla disse, destacando dois frasquinhos de cor âmbar e identificados por
pequeno rótulo pardo.
Mal o menino dissolvera
sobe a língua os glóbulos branquinhos e doces do remédio, turuna e os demais cães
da vizinhança começaram a latir sem parar. Em meio a isso entrou Aninha que acabara de chagar da cidade entrou aos gritos dizendo:
— Júlio, Júlio! Tem gente te chamando lá no portão.
— Quem é?
— Ah! não perguntei.— E bateu a porta.
Lá fora havia um automóvel
escuro e sem placas. Eram quatro homens, e caminhavam como
autômatos. Protegiam as feições usando bonés e óculos escuros. Um deles falava
com sotaque.
Faziam parte de uma
comissão internacional que investigava
eventos sobre OVNIs. Logo o portão da
casa estava num burburinho de gente, gente que mal sabia o que de fato estava
acontecendo.
— Quem são vocês e o
que querem? Perguntou pausadamente seu Bernardo.
Após se identificarem,
o pai de Júlio ficou muito preocupado então procurou de todas as formas
proteger seu filho. Chamou-o ao lado e pediu que negasse tudo o que presenciara naquela
noite.
Todavia aqueles homens eram implacáveis
no interrogatório e Júlio estava quase em choque, justo pela
forma como era abordado, sua cabeça estava num emaranhado de coisas, não
conseguia falar duas palavras na
sequência. Um dos homens parecia
mais exaltado mas foi logo contido pelos próprios colegas. Nada conseguiam
extrair do garoto, ficando o ambiente cada vez mais tenso. Foi quando apareceu Jonas e Jorge. E foram os dois amigos que acabaram resolvendo a situação. Percebendo o
que estava acontecendo, começaram a falar sobre Gagarin, e da apolo 11 chegando até a história do Tambor voador...
— Mas vocês estão brincando, isso é uma brincadeira?— Bufou o que falava com sotaque.
E algumas crianças que haviam
participado daquela brincadeira lá atrás,
de forma inocente confirmaram: “Brincadeira sim”! — inclusive o agente do
jornal do bairro esteve ali presente naquele dia. Lá no fundo do quintal
aquela traquitana ainda estava montada servindo à brincadeira e talvez agora servisse de argumento. Foram até os fundos do quintal, tiraram o encerado que cobria aquilo. No corpo do tambor lia-se; "Apolo J3", com referência aos criadores da engenhoca. Era difícil saber se estavam constrangidos
ou ainda mais raivosos diante do que
lhes foi mostrado. Por cima dos óculos olharam um para o outro e depois deram as costas sem nada dizer, entraram no carro e aceleraram..
Então o vilarejo voltou
à sua normalidade.
Numa manhã de agosto, reinício das aulas, Júlio e Jonas encontraram o amigo Jorge emburrado e espumando de raiva.
— O que foi cara? Acudiu Júlio
— Aqueles carapangas da vila de cima me xingaram e disseram que ali não é lugar de negro passar, só isso!
— Aqueles almofadinhas que se mudaram há pouco tempo? Liga não, são uns otários.— Respondeu.
— É, pra você é fácil falar né! porque você não é negro. Ainda quebro a boca daqueles filhos da mãe!
— Não vai pra escola ? — Interrompeu em tom cuidadoso o amigo Jonas.
— Não! Não vou mais pra aquela droga de escola.— Respondeu rispidamente.
Diante daquela ferocidade e quase descontrole de Jorge, os dois se retiraram sem nada mais dizer.
Infelizmente a vida de Jorge não andava lá muito bem. O pai abusava tanto da bebida que acabou perdendo o emprego. A mãe, com dificuldades para criar os filhos, resolveu tirar Jorge da escola e colocá-lo para trabalhar e assim o fez.
—Não mãe, eu não queria sair da escola não, eu queria estudar, ser piloto de avião, ajudar a senhora!— Implorava o menino.
— Piloto o quê? Deixa de bobagem, você não nasceu pra isso viu? Isso é coisa pra outra gente, você vai é trabalhar agora, vai ajudar engraxando sapatos tá ouvindo?— Destilou o seu fel!.
No dia seguinte com os olhos ainda marejados, o menino apanhou a caixa de engraxate que a mãe já havia encomendado e saiu para ajudar a sustentar a família, adiando ou quebrando para sempre os seus próprios sonhos.
A rotina agora era levantar bem cedo e rumar para o centro da cidade, carregando, ao invés de livros, uma pesada caixa de madeira. Com a penúria com que estavam vivendo, sua mãe conseguiu um barraco no mangue e para lá se mudaram.
Nunca mais aconteceram brincadeiras, nunca mais os três companheiros. Jorge tinha vergonha de se encontrar com os amigos. A amizade foi ficando cada vez mais distante, distante como sonho que ele alimentava. Tudo ficou amargo, triste para todos.