segunda-feira, 16 de abril de 2018

O Apagão






Nem bem se acomodaram em suas camas e faltou a luz. A mãe correu a acender uma velinha de azeite que costumava ficar numa prateleira de canto ali mesmo no quarto. A luzinha amarelada parecia travar uma luta ferrenha contra aquela escuridão. Mesmo trêmula, persistia.
_ Justo na hora da novela. Reclamou Katherine a filha mais velha, no que concordou Emily sua irmã.
_ Que horas são? Perguntou a mãe.
_ Que diferença faz se está tudo escuro! Exclamou Katherine.
_ Acho que está na hora do meu remédio. Retrucou a mãe.

E apanhando a velinha de azeite deslizou com seu par de pantufas com cara de coelho, pelo corredor rumo à cozinha, perseguida por sombras disformes e deixando para atrás um profundo breu.
Um burburinho vinha lá de fora. Emily abriu a veneziana com muito cuidado e pode ver que pessoas conversavam nos portões, enquanto algumas crianças ensaiavam alguma brincadeira.
_ Nossa! A noite está linda! Venha ver só que lua cheia no céu, parece dia! Exclamou a menina com a cabeça do lado de fora da janela.

De fato a noite estava tão clara que as camélias do jardim pareciam prata brilhando e era possível também identificar algumas constelações como: Escorpião, o Cruzeiro do Sul e Três Marias, entre outras. A serra mostrava seu contorno cor de petróleo e as luzinhas que desciam pela escarpa. A noite exalava  uma mistura de aromas primaveris e a temperatura era muito agradável.
Quando a mãe retornou as duas meninas estavam na janela e a réstia  do luar que entrava, deixava uma poça prateada no chão escuro do quarto. Um vagalume afoito entrou num voo suave e empolgou as meninas, com o piscar intermitente de uma luz quase esmeraldina.
_ Ah! que luar lindo, fazia tempo que a gente  não via um assim! Exclamou dona Amélia. E continuou. _ A lua me lembra das histórias que eu ouvia quando menina, e na maioria das vezes eram histórias de assombração ou coisa parecida!
_ Então conta uma pra gente?

_ Lembrei-me de uma, mas essa é engraçada! _ Era já no lusco-fusco e havia uma lua cheia saindo de trás do cume de uma igreja que ficava perto de casa. Eu estava no quarto dobrando algumas roupas, quando vi da minha janela uma cena bem curiosa. Parei e fiquei a observar. Havia ali bem na beira da rua um monte de areia para construção. Um homem que usava tamancos, e naquela época era normal usar tamancos, acho que para desviar de uma poça d´água que havia ali caminhou pela areia e acabou perdendo um dos pés de tamanco. O engraçado da cena, é que ele ficou tão apavorado procurando o tal pé de tamanco, que de cócoras, mais parecia um cachorro preparando uma cova para fazer cocô! Concluiu dona Amélia sob risos incontroláveis das meninas....
Terminada a sessão de risos, Katherine veio com suas lembranças.

_ Vocês lembram quando o pai chegava do trabalho e depois da janta, descia aquele velho rádio que ficava  longe  do nosso alcance e colocava sobre a mesa da sala para ouvir  músicas e principalmente aquelas emissoras em ondas curtas? Pois é, enquanto isso, o que mais me chamava a atenção era a traseira do rádio. Eu ficava maravilhada olhando aquelas válvulas acesas e imaginando que lá é que ficavam os cantores e locutores com seus vozeirões...Nossa! quanto tempo e que saudades do pai. Ele era muito engraçado e as histórias que contava, acho que inventava ali mesmo na hora. Concluiu ela com os olhos marejados.

Então foi a vez de Emily: _ Mãe, conta aquela do homem bêbado que entrou em nossa casa por engano? Dona Amélia deu uma pausa e começou:
_ Foi quando faleceu um vizinho que morava na rua debaixo. Os amigos, os parentes vinham para dar um último adeus. Já era quase hora do almoço, quando pela porta da cozinha entrou um homem que mal ficava em pé. Parou  bem em frente à minha máquina de costura que eu sempre cobria com um lençol  branco. Tirou o chapéu de feltro e começou a reverenciar aquilo que ele achava ser, balbuciando umas palavras que mal se entendia. Quando eu percebi a cena fui logo dizendo: “O senhor bebeu e entrou no lugar errado. O morto mora na casa debaixo” O homem saiu balançando e resmungando, e nem sei se achou a casa certa depois.
Foi mais uma sessão de risos, enquanto lá fora ainda se ouvia pessoas conversando e crianças brincando. Um grilo no jardim, resolveu fazer sua serenata e era também possível ouvir: _ elb, elb, elb ....elb, elb, elb... Um canto dissonante das rãs que viviam num pequeno brejo logo abaixo da rua.

_ E a história do homem da lamparina, mamãe? Cutucou Katherine.
_ Sim, essa era seu pai que contava.......
_ Eba! Chegou a luz! Gritaram as meninas com os olhos arregalados de alegria.

Lá fora também se ouviu  aplausos e gritos comemorando o retorno da  energia!
Imediatamente fecharam a janela, apagaram a velinha e ligaram a televisão. Nem rãs, nem grilos, constelações, o cheiro de murta..... E tudo voltou ao que era antes. No quarto nenhum pio, só o monólogo da TV. A rua ficou com a solidão da lua e na rua também tudo voltara ao silêncio total, com exceção dos apitos do guarda noturno que vez por outra passava em sua bicicleta!




Conto de JAL - 15/04/2018