sábado, 27 de dezembro de 2014

Dois Vasos





Foto. internete. Google.




Talvez a argila
Que me havia composto
Estivesse impura
E as minhas formas
Não tão equilibradas,
Se devesse
À inaptidão do oleiro.
Mas, na minha serventia
Guardei a água,
Mantendo-a fresca.
Agasalhei flores silvestres
Alegrando humilde mesa.
Diferente de ti;
Peça rara, preciosa, valiosa...
Sobre sedas suntuosas
E cuidados desmedidos.
Mas, um dia
Tu também foste ao chão.
E olhando os nossos cacos
Imprestáveis, num monturo
Quase não a reconheci.!



José Alberto Lopes®
set. 15/2012

Fotos e Fatos/


segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Praia de musgos









Praia de musgos




Quando Vargas desceu no largo da igreja de Bom Jesus e respirou uma cidade ainda pouco mudada em mais de quarenta anos, sentiu-se novamente em casa. Que alegria rever o mar pequeno, o morro do Espia, o preguiçoso rio Ribeira de Iguape, as ruas de pedras irregulares, os casarios coloniais. Até as pessoas  dali pareciam as mesmas de sempre.
Porém ele deixando a cidade ainda cedo, não teve talvez a oportunidade de receber um pouco daquela imunidade contra a  rápida passagem do tempo! A neve tomara seus cabelos e usava  uma bengala como arrimo.
Caminhou até a rua principal e parou próximo à  porta de um antigo casarão onde nascera e vivera  a infância e adolescência. Ali permaneceu um bom tempo, examinando o passado.

E foi por uma daquelas enormes janelas, quando ainda era menino, que viu passar pela primeira vez aquele anjo, a musa perfeita, a flor que nenhuma primavera seria capaz de traduzir. Sorriu para ela e arquitetou um mundo. Passou a cortejá-la em pensamento e sua  alma de poeta menino adoeceu. Quando na rua ela passava, o menino largava a brincadeira e ficava estático observando-a. Depois corria  para casa e rabiscava um poema.
Coisa de menino, naquela tarde ficou atocaiado entre a porta e a janela esperando ela  passar. E ela passou. Voltava do colégio, vestida de azul e branco a linda normalista. Aí, a alma do menino quase se desprendeu daquele corpo frágil e trêmulo. Deixou que ela ganhasse certa distancia e timidamente a seguiu. No bolso levava um poema e no peito um coração dilatado de ansiedade e paixão. 
Alguns passos e antes que ele a abordasse, foi como se de repente uma tormenta caísse deixando o seu coração à deriva. Aquele anjo, musa perfeita, flor rara, já pertencia a outro alguém.
Transtornado, mesmo assim não pestanejou em rasgar o poema ali mesmo. Rasgara com gosto e ódio, tanto, que se pudesse rasgaria a própria existência.
Naquelas ruas quase desertas somente o céu deu testemunha de que o poema   agonizara por horas rolando pelo chão como folhas de outono.

Agora, ali estava ele, homem feito e já erodido pelo tempo. Caminhou lentamente pela rua do Funil até a margem do  rio Ribeira. Lá solenemente abriu um pacote  onde havia uma garrafa, e dentro dela um poema.
Não muito longe dali, o estuário, o destino do rio. Lá, o mar ansioso o esperava de braços abertos. Vargas olhou demoradamente  para a garrafa, despedindo-se dela, e  num gesto  quase bruto lançou-a no rio dizendo:
__ Vá! Vá! Vá!..

A cortiça justa a mantinha hermética e seguiu flutuando a meio corpo levando em seu bojo  um sonho desfeito.....
Logo a perdeu de vista, pois o rio engalanado pela ardentia daquela linda tarde ficara como se milhões de garrafas flutuando, brilhassem tangidas pelo sol.
Finalmente o Nautilus de cristal ganhara o mar. Nauseante, resvalou  num casco moribundo, depois, num arrecife arredio. Algumas gaivotas curiosas a cortejaram além da  arrebentação, pra depois deixá-la só naquele infinito mar, pois  a noite já  abrira as negras asas e uma procela se levantava  à sua retaguarda. Pávido, prosseguia.

Vargas por sua vez, sentiu que  já era tempo de ir embora. Olhou pela ultima vez toda aquela imensidão e caminhou suspirando desaparecendo lentamente  pelas acanhadas ruelas da cidade.
Algumas pessoas comentavam:__ O que fazia  aquele homem ali desde aquela hora?

Após a borrasca o céu se abriu novamente e o cruzeiro do sul sorrindo, parecia apontar para a garrafa o caminho a seguir.
Por sorte, livrou-se das correntes em círculos e daqueles demônios que arremessam mortais vagalhões contra os rochedos.
Depois veio brisa afagando as cristas espumantes e quase tudo parecia adormecer. Quando a ultima alva se esvaia no céu, viu-se sobre longo tapete de algas à flor da inconstância do mar, até que de súbito arremessada foi sobre escombros numa praia de musgos, e lá permaneceu por muitos anos.
 Numa certa manhã por  ali brincava uma criança alada e nua, portando um arco e flechas, que encontrando a garrafa, recolheu-a e curioso decifrou aqueles hieróglifos de amor poético..

Na verdade, a garrafa continha um poema de um antigo escritor Cabo-Verdeano chamado: Manuel Lopes.1907/2005


A Garrafa:


Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
__ se foi criança
ou o ladrão
ou o filósofo
quem libertou a sua mensagem
e a leu para si e para os outros.

Que se destrua contra os recifes
ou role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja vista por olhos humanos,
Que importa?
...se só de atirá-la às ondas vagabundas
libertei meu destino da sua prisão?..

(poema de Manuel Lopes)


Obs: Só para constar. Esse texto, eu escrevi  como um poema em 2006. Em 2014 resolvi transformá-lo em uma prosa (ou conto?) Somente agora, encontrei esse  poema antigo de  Manuel Lopes que fala sobre o mesmo assunto e até sobre o caminho da garrafa que continha um poema... 




Conto de José Alberto Lopes - 11/09/2014














quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Samba Americano


Samba Americano
(Série seriado de TV- I Parte)


Se eu pudesse entrar nas fitas
do cinema americano
e encontrar o velho Zorro
num rancho Californiano!
arreando o  belo Silver
para mais uma contenda,
e também o índio Tonto
descansando numa tenda!

No Forte Apache eu iria
reencontar o Rin-Tin-Tin,
que maravilha de cachorro
fala inglês e até Latim. (aum aum)
Com patente de tenente
e um jeito de moleque,
o antigo Cabo Rusty
assistindo a Star Trek!

Encontrar o Flash Gordo...n
dentro de um SPA, morando.
Ele quer voltar à forma
para prosseguir filmando.
Mongo e Ming estão extintos,
foi um tiro de bazuca.
Quer filmar fatos da vida,
tipo, água com açúcar!

Ver o Papai Sabe Tudo
sempre com seus bons conselhos
e os Lanceiros de Bengala,
sempre fiéis aos estrangeiros.
Encontrar  o Jim das Selvas
Junto co'a macaca Tamba,
mostrando que na floresta
quem não for malandro, samba!

O Tarzan e a bela Jane
no alto de uma galhada.
E a Chita num cipó
se acabando em gargalhada.
Bat Masterson de preto,
aposentou-se da batalha.
Só não deixa o velho Poker
e também sua bengala.

Montando o seu velho Trigger
O Roy Rogers na fazenda.
Hoje só cuida do gado,
morando  numa vivenda!
Só do Homem Invisível,
não há muito o que dizer.
Vive só pregando peças
e  não quer aparecer!

Faço aqui a minha pausa
para os comerciais.
Os reclames de outrora
hoje não se veem mais.
Se os Yankees  me pegarem
grito logo por socorro!
Se eu tiver  que pagar Royalties
to no mato sem cachorro!


De José Alberto Lopes.
27/08/2014

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Greta Sydow





(Foto/Greta. Internet.)


       Vou relatar  aqui brevemente como conheci Greta Sydow. Breve também foi o nosso encontro. Depois trocamos telefone, conversamos algumas vezes. Todavia, ela foi sumindo, sumindo, como neve ao sol e ai  nunca mais soube dela. Parece ter se retirado de cena, seria sídrome  de Garbo? Não saberia dizer. Mas o quanto durou,  deixou marcas para sempre.

       Fiquei deslumbrado quando a vi pela primeira vez. Foi no salão principal de um famoso hotel, onde se confraternizavam poetas e romancistas, na bienal internacional de literatura de Estocolmo.
       Estocolmo dos parques, bosques. Das 14 ilhas principais e suas  pontes, entre outras belezas naturais e as criadas pelo homem.
       Greta estava só à mesa preocupada com as pedras de gelo no seu uísque. Um homem bem  alinhado e maduro, aproximou-se  dela e insistiu em alguma coisa. Ela, prontamente o recusou e ele  afastou-se.
       Eu havia solicitado ao garçom  uma tônica e assim que me  serviu caminhei disfarçadamente para onde se encontrava aquela mulher encantadora.
       Fiz-me notar sutilmente, diferente da abordagem que  assistira a pouco! Arrisquei um olhar e para a minha surpresa, ela  também. Realmente tratava-se de uma mulher que marcava pela sua presença. Magra, alta, olhos esmeraldinos e carregava  no cenho um quê de mistério.
       Disse-lhe um oi meneando a cabeça. Ela retribuiu com um suave sorriso. Fomos nos apresentando.
       Sueca da cidade de  Malmo, era tradutora e trabalhava para uma renomada revista do país. Se surpreendeu quando eu disse  que era brasileiro. Da mesma forma, me surpreendi quando ela  disse  que recentemente havia estado  no  Brasil, e conhecera  o  Rio de Janeiro e São Paulo.
       Confesso  que  o meu espanhol não chegava aos  pés do espanhol de Greta, mas,  foi o suficiente para nos entendermos  muito bem.

       _ Alguma obra  aqui exposta? Perguntou fotografando-me com os olhos.
       _ Não! Quem sabe numa próxima oportunidade, respondi meio sem jeito.
       Disse  que  viera à Suécia como representante  de uma associação literária da língua portuguesa e espanhola que fora agraciada com  uma menção honrosa!......
       Agora, na mesma mesa, acontecia  o encontro  do uísque com a tônica, de um Europeu e um Latino.

       Naquela noite nos despedimos, sem que  na verdade eu  quisesse  fazê-lo, mas logo  de manhã corri para vê-la. Pelos enormes vidros um tanto embaçados do salão, pude ver Greta à mesa fazendo o seu desejum. Convidou-me para sentar junto  à ela.
       Depois do café, resolvemos sair um pouco, iria  conhecer a cidade, tendo como cicerone, aquela  mulher maravilhos! 
       Calçamos nossas luvas e colocamos nossos pesados casacos e saímos.
       Havia  caído um pouco de neve naquela manhã, mas, nada que impedisse a nossa caminhada.        Foi a primeira vez que vi a neve! Com isso, juntaram-se dois prazeres; pisar  a neve e ter a companhia de Greta. Claro que a neve ficara em segundo plano!
       O parque estava deserto. Propôs então que fôssemos até um chalé próximo a um lago, que  ficava não longe dalí.
       Desde a noite passada sentia uma louca atração por  aquela linda, gentil e inteligente mulher.      Na verdade estava apaixonado por  ela.
       Caminhamos lado a lado sem nos  tocarmos. Mas, a vontade era beijá-la, amá-la ali mesmo sobre a neve fofa. Eu bem que tentei, mas ela  me negou três vezes.. Relutava..Na verdade continuamos como duas linhas paralelas.
       Conversamos sobre muitas  coisas, inclusive, sobre alguns mestres da litaratura universal e isso  fez  o caminho ficar mais curto. Chegamos. Então a toquei pela primeira vez, sendo  que  nessa  hora, aceitou mansamente. Toquei seu ombro, depois peguei sua mão enluvada. A minha  ansiedade aumentara. O quê nos aguardaria?
       Prosseguimos de mãos dadas até a porta. Entramos.
       Ela subiu e pediu que  eu esperasse uns minutos. Ah! Aqueles minutos de espera pareciam para mim mais longos do que o trajeto que fizemos desde o hotel.
       Chamou-me pelo nome: __Roberto, Venha, venha! 
       Subi. No quarto com iluminação baixa, uma lareira crepitava. Numa cama grande e  alta estava ela, seminua. Corpo esguio e alvo como a neve! esparramada....
       Agora não havia mais muitos  passos a percorrer. Nem a neve fofa cansando nossos   tornozelos.
       Finalmente as paralelas se cruzariam de fato.Três passos e me atirei sedento sobre aquele oásis. Num abraço sufocante nos beijamos. O tempo agora parecia  correr demasiadamente, assim como o sangue em nossas veias.

       No silêncio da neve que voltara a cair, Greta e eu, éramos  um só corpo e um só sentido.



    
Conto de JAL.
17/08/2014





quinta-feira, 24 de abril de 2014

Haicais

sol indeciso,
o chão umedecido-
garoa de abril.

rumores de asas
sobre  o terreiro varrido-
retornam as rolas.

na minha varanda-
parece disco quebrado
o canto do grilo.

ah! céu estrelado-
quantos segredos guardados
nessas reticências....

diáfanas nuvens
rodeadas de crianças-
algodão - doce.

pausa de silêncio-
borboletinha pousada
sobre a partitura.


Autor, José Alberto Lopes - ®

sábado, 19 de abril de 2014

A FÉ RELUTANTE DE SALATIEL


V&A_-_Raphael,_Christ's_Charge_to_Peter_(1515).jpg (768×489)
      (Foto internete)

 Passaram-se mais de vinte anos desde a partida de Jesus.
       Um dia, correram rumores sobre o seu retorno. Pregava e realizava prodígios. Andava lá pelas bandas da  Galileia, Nazaré.... com muitos seguidores.
       O coração de Salatiel, aquele que fora amigo de infância de   Jesus, se alegrara. Ansiava por vê-lo, porém, como estava na época da vindima, retardou a visita.
       Finalmente bateram em viagem, Salatiel e seu pai Ananias, cada qual montado no seu jumentinho. Sabendo que Jesus  agora estava em Jerusalém, para lá seguiram cada qual  no seu burrico.
       Chegando, encontraram uma Jerusalém em polvorosa, sitiada por soldados romanos. Perguntaram por Jesus, e ficaram sabendo que o motivo de todo aquele movimento, era justamente o filho de Deus.   Caminharam mais e por fim chegaram ao epicentro de tudo. Lá estava  Jesus com os olhos vendados, seminu e coroado com espinhos. Os homens que o detinham, zombavam e açoitavam-no.
       Horrorizado  Salatiel aproximou-se mais e perguntou:
       — Que mal fez este homem para ser assim violentado? Deixe-me passar e ter com ele! Concluiu.
       — Conhece-o? Respondeu com um olhar debochado um dos que açoitava.
       Indignado, o rapaz tentou à força romper  a guarda, mas foi de pronto rechaçado por   algumas chicotadas, sob os risos dos Fariseus... Ananias o socorreu, e se retiraram sem nada poder fazer. Jesus sentiu a presença deles, pois se virando parecia fitá-los bem nos olhos embora estivesse vendado.
       Aquelas chicotadas não lhe doeram tanto quanto aquela imagem de Jesus diante de seus algozes. E assim partiram.
       Andaram algumas léguas e já era sexta-feira, ante véspera das festas dos Asmos, chamada  Páscoa, porém  uma tristeza imensa  caiu sobre a família de Ananias.  Era quase a hora sexta, e mal chegaram a casa, uma terrível tempestade se abateu sobre toda  a terra. O sol escureceu, e houve trevas  até a hora nona. Foi a hora da consumação, como estava escrito nas antigas escrituras. Ananias e sua família permaneceram em oração até o dia seguinte.
       Numa tarde, quando limpava a sua vinha, Salatiel viu  aproximar-se entre umas parreiras, um homem trajando uma túnica tendo  a cabeça coberta. Após alguns passos virou-se e era Jesus. Salatiel ficou estático como uma rocha, sabia que o haviam crucificado. Certo temor o abateu, porém Jesus o acalmou e o lembrou da ressurreição.  Quando Salatiel por fim, tentou aproximar-se, o homem já caminhava a um tiro de pedra de distância e desapareceu entre as videiras.   Salatiel, lembrando do que foi escrito pelos antigos profetas, alegrou-se. Abandonou as ferramentas ali no campo e correu para  a casa levando as boas novas prometidas.

       —Ele vive! Ele vive! Ressuscitou , gritou ele cruzando ofegante a porta da casa.
       À noite, assim que preparavam a ceia, alguém bateu com a aldrava.

       - Quem é? Perguntou Ananias.
       - Alguém que tem fome e sede! Respondeu.
       Então, entrai, bebei e comei conosco. Disse o velho abrindo a pesada porta de carvalho.
      Entrou, e era de fato Jesus, suas mãos e seus pés, tinham as cicatrizes dos cravos, mas seu semblante era sereno. “A paz seja convosco” disse, e  a casa se iluminou. A princípio todos ficaram atemorizados. Pensavam que viam um fantasma ou um impostor. Mas   Jesus acalmando-os disse:
       - Não vos pertubeis. E mostrando mais claramente suas mãos e pés, continuou:
       - Vedes, não sou um impostor, e um espírito não tem carne nem ossos, nem tem sede  e fome! Riu...
       Mesmo assim, Salatiel rompeu abruptamente:
       - És mesmo Jesus?
       - Tu me pareces Tomé!  Replicou.

       E Jesus foi recebido com muito júbilo. E ao redor da mesa onde  se sentara Jesus, estavam  Salatiel; Ananias; Isabel esposa de  Ananias; e Sarina, a caçula, cega de nascença.

       - Então brindemos esta ocasião com nossa melhor safra de vinho. Disse o rapaz saindo para apanhar um odre.
       Mas Jesus interferiu sugerindo que Sarina  fosse buscá-lo.
       - Mas ela não enxerga, nunca desceu lá! Disse Salatiel.
       - Leve a lâmpada, vá! Ordenou Jesus.
       Sem pestanejar, Sarina tomou a lâmpada das mãos do irmão e desceu a escada com devotado cuidado, porém, confiante.
       - Tu honras a nossa casa. Disse Ananias.
       - E vós honrai a presença do filho, e por ele, a casa maior, a casa do pai. Vós sois também testemunhas do que foi escrito nas leis de Moisés, nos profetas e salmos.
       Conversavam tranquilamente enquanto Salatiel se moía preocupado com Sarina.
       - Senhor! Do que vale a lâmpada se minha irmã é cega? Interviu novamente.
       - Cega? Tu acaso descerias agora naquela escuridão sem uma lâmpada?
       Salatiel quedou-se intrigado, pensativo...

       De súbito lá embaixo ouviu-se um grito, era de Sarina.

       - Falei que cairia, gritou o irmão, apovorado!
       Jesus acalmou a todos.
       Alguns segundos depois, Sarina voltava não somente com um odre cheio, mas também, com um largo sorriso e um olhar transbordante  de luz. Enxergava.
       A emoção foi arrebatadora. Sarina prostrou-se diante de Jesus e beijou-lhe as mãos, e todos repetiram o seu gesto. Então disse Jesus:
       - Eis que sobre vós, envio as promessas do pai...

       Depois, retornaram à mesa e Jesus ceiou com eles. Tomou e dividiu o pão, ergueu junto ao vinho, deu graças ao pai e abençoou a todos.

       E aconteceu que os abençoando, ele se apartou da família, sem que eles percebessem, deixando-os na paz.




Um conto de José Alberto Lopes.®

SBC-SP. 17/12/2009

sexta-feira, 14 de março de 2014

Aldravias




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Mariana-
ouro 
novo
mina
das 
Aldravias
[jal-18]


Sampa.
Haicai
a
garoa
temperatura 
Bashô!
[jal-19]


pássaros
de 
pau.
pregadores 
no
varal.
[jal-21]


epifania-
a
tua
boca
na
minha.
[jal-22]


teu 
beijo
de 
Jintan
deixa-me
tantã!
[jal-23]

jabuticabas-
teus
olhos
olhando
para
mim
[jal-24]

Rosto
quente
mão
gelada.
primeira
namorada!
[jal-25]



estação
abandonada

o
vento
passa.
[jal-26]

na 
oliva
daqueles
 olhos
naveguei
naufraguei.
[jal-27]

Brejo:
caçadores
noturnos,
anuros 
em
apuros!
[jal-28]

maluco!
a
loucura
não
tem
cura!!
[jal-29]

vida
curta!
curta 
a
 vida,
curta!

[jal-30]

De José Alberto Lopes-março - 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Aldravias Do JALopes

Aldravias

vulcão
em
erupção
a
terra
gozando
[jal-01]

na
caixa
de
pandora
o
vazio
[jal-02]


aldrava
da
minha
porta
virou
maçaneta
[jal-03]


gatos!
como
sabê-los
se
não
tê-los?
[jal-04]


precária
vida
se
não
é
precavida!
[jal-05]

trol
bom
motivo
pra
ser
criança
(antes de ser uma propaganda, já era uma Adravia. - Marca famosa de artigos de plásticos, "brinquedos" -etc...Essa fábrica não existe mais. Peço licença ao verdadeiro criador da frase)
[jal-6]


as
cartas
mentem
o
espelho
jamais.
[jal-07]


noite
farta
de
estrelas-
falta
você
[jal-8]

gatilho
e
cão
perigosa
combinação!
Bamm!
[jal-9]


juazeiro
juazeiro
juazeiro
juazeiro.......
disco
quebrado!
[jal-10]



não
passo
em
vão-
deixo
aldravias.
[jal-11]

meretriz-
ela
na
janela
contemplando
estrelas.
[jal-12]

vento
noroeste
sopra
lembranças
de
Cubatão!
[jal-13]


estação
abandonada

o
vento
passa.
[jal-14]


porão!
o
primo
pobre
do
sótão.
[jal-15]


quatro
estações...
São
Paulo
de
Vivaldi?
[jal-16]

JAL. 14/17 de02/2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Abecedário dos Marinheiros desordeiros. [poesia brincante]



Atracaram, adentraram.
Beberam
Comeram
Dançaram
Exploraram
Feriram
Gozaram
Hilariaram
Instigaram
Jogaram
Kodakiaram
Luxaram..
Maltrataram
Negligenciaram
Ooscularam...
Perjuraram
Quebraram
Riscaram
Sujaram
Tapearam
Usurparam
Vomitaram
Xingaram
Zarparam..........

JAL-17/02/2014

POETRIX Do JAL



Coisas simples

Na antiga Elgin
minha infância costurada
com linha de capim.


Despudoradas

Parece o meu amor
na vidraça esta noite,
a lua sem pudor.


Estiagem

Da boca do vento
muito galanteio
mas  a chuva não veio.


A chuva cai pra todos

A mesma tempestade
que bate naquele prostíbulo,
desaba  sobre este convento.


Colação

Colação de grau,
um termômetro preso
na Super Bonder?


O profeta

O vendaval espalhou
as folhas mortas, caídas
e o profeta, sábias  palavras vivas.


Aromal

cerração na tarde.
tudo é indecifrável
menos o alecrim que arde.


Humildade

Para ser uma Monarca,
o inseto antes, aceitou
uma humilde parca.


Conselho

Querendo um amor perfeito?
cultiva-o num jardim
nunca em teu peito.


Vicioso

Sempre será assim
para cada Tico-Tico
um punhado de Chupim.


Paredes e pontes

Paredes, erguem os solitários.
pontes,
os solidários.


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac

Bilac, esse sim, já nasceu poeta
afinal, o seu nome completo
é um verso Alexandrino.


Solidão

Para o poeta a solidão é uma fonte...
O bicho-da-seda afinal
edifica um casulo e não uma ponte.


Amizade

Na palha
da espantalha
aninhou-se a gralha.


Inesquecível

Naqueles lábios joviais
o beijo que nunca dei
não esquecerei jamais!


Arco-Íris

Joia rara de Pandora!
- Em que fonte bebes a  água?
- Em que paleta ministras  as tintas?



Justiça

É básico, é notório.
Para que  haja  justiça.
o contraditório.


A cigarra

Termina o verão
retorna  à fábula, a cigarra
sem lenço, vintém e documento.





JAL. 14/02/2014




quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A mesma Paisagem








        Ah! Aquela gente. Conheci muito aquela gente. Gente brava do sertão, gente fiel às coisas lá do céu, sempre cumpridora das suas promessas, embora também muitas vezes vivendo de promessas vãs.
       Gente que embora baldadas todas as esperanças, mesmo assim se mantinha serena na luta repetindo palavras de resignação.  Resignação que muitas vezes era sinônimo de êxodo!

        Nessa altura os providos de asas já haviam arribado. A roça não vingara, o umbuzeiro definhava aos poucos. Somente o xiquexique ainda resistia parecendo desafiar o sol inclemente com seus agudos espinhos e suas flores vivazes. Os sons dos chocalhos nos  animais, assim como os aboios pelas caatingas, há muito tempo já não se ouviam.
       Foram tempos de secas terríveis. Do quê valeram as coivaras se tudo se resumia afinal, numa queimada só? O lugar tornara-se inóspito e o solo estéril, como um planetoide perdido e hostil, sendo bombardeado por cargas e cargas de raios flamejantes. Um planetoide habitado por sertanejos, que por mais bravos que fossem, num momento, tinham que desistir.
       A família de Moisés foi uma das últimas a partir. Do pouco que tinham, pouca coisa eles levavam, mas a esperança não era pouca.      Apenas se retiravam como um regimento se retira estrategicamente para depois em favoráveis condições, promover o contra-ataque colocando o inimigo à sua mercê. Retornariam assim que o verde retornasse por aquele sertão que ora deixavam pela segunda vez.
       Antes da partida, vovô Venâncio, num de seus momentos de lucidez, insistiu para que levassem também um pedaço de tição que se afigurava a uma imagem, que acreditava fosse de uma santa... Aquela imagem tosca esculpida pelo fogo era o arauto das boas novas que haveriam de vir. Assim acreditava o velho senhor. Sua vontade foi respeitada, embora contrariasse a Moisés, homem há muito tempo descrente das coisas da igreja, não das coisas do céu.
       Partiram antes de o sol chegar. Na boleia da velha carroça se acomodavam Maria, grávida de quatro meses e Venâncio seu sogro. O menino João acompanhava o pai marchando com suas franciscanas sobre aquele chão esturricado e poeirento.
       O céu era de um azul vivo e limpo, só perturbado por nuvens negras movendo-se mansamente. Nuvens carniceiras se equilibrando nas termais, com seus olhos aguçados, que girando em grande círculo só aguardavam a hora e vez... Aliás, as únicas providas de asas que não arribaram.
       Passaram por leitos secos de ribeirões, por glebas abandonadas e por várias carcaças de animais que visto de longe mais pareciam quilhas expostas de antigas embarcações.
       Após um dia de viagem aportaram num pobre vilarejo. Depois de tanto tempo se alimentando basicamente de jacuba (água misturada com farinha de mandioca e açúcar) experimentaram o luxo de um naco de pão.

       - Estão indo pra onde? Perguntou o vendeiro.
       - Pra capital. Respondeu Moisés ainda mastigando.
       - Mais uma semana fecho aqui e também vou embora, se não a gente também morre feito gado no campo. Disse.
       - É, essa é a pior que já vi por essas bandas. A última chuva que caiu faz quase um ano, e só serviu pra engabelar. Nem deu pra molhar  as cacimbas. Estendeu-se Moisés.
       - É verdade, nem São José ta dando jeito. Mas se Deus quiser, as coisas melhoram. Amenizou o vendeiro.
        - Tomara! Concluiu Moisés pagando a conta.

       Naquela noite ficaram por ali mesmo. Moisés desatou a mula da carroça dando-lhe um fôlego, pois no dia seguinte atravessariam o pior trecho até a cidade mais próxima.
       Sob um céu empoeirado de estrelas, dormiram. Menos Moisés que passou a noite toda em vigília, com a alma amargurada e os olhos brilhantes como aquelas estrelas.
        No dia seguinte, antes que a barra do horizonte sangrasse, partiram.
       O chão rachado parecia um estranho mosaico, mas lá em cima, o céu com sua imponência azul, continuava com aquelas nuvens negras girando, girando. A marcha prosseguia árdua, cansativa, constante.    Somente o reboar dos cascos naquele chão duro quebrava aquele silêncio, além dos redemoinhos que, de vez em quando atravessavam o caminho que seguiam. Girando e assoviando, pareciam entes zombeteiros com suas bocarras assoprando as coisas do chão.

       Na tardinha quando o sol poente espichava as sombras pelo chão, após terem caminhado algumas léguas, a velha mula deu sinal de fadiga.    Extenuado, o pobre animal dobrou os joelhos. Moisés e o filho João tentaram debalde levantá-la. Com a boca branca de espuma e os olhos vidrados ela deu um breve suspiro e morreu. Era sem dúvida mais um banquete para aquelas famigeradas nuvens lá em cima.

       Jogados então à sorte, permaneceram por um bom tempo ali na margem da estrada.
       Maria, como era de costume, assim que pressentiu a tardinha, agarrou a rezar. E rezava todas as rezas que aprendera desde menina e o que aprendera não era pouco. Seu Venâncio permanecia estático, sem atinar em nada. Por sua vez, Moisés sentindo-se incomodado caminhou uns dez passos para frente e sentou-se sobre uma grande pedra e lá permaneceu quase imóvel como se fizesse parte da mesma até o término da ladainha. João o acompanhou.
       O sol insistia com seus últimos raios quando um caminhão levando algumas famílias apareceu em meio a uma densa poeira. Por sorte se dirigia para o mesmo destino. Embarcaram.

       A imensa serra ficando para trás, já se apequenava no horizonte.   Mais parecia um risco azul-escuro já quase consumido pela distância e o negrume da noite. O ronco luxuoso do motor e os sacolejos constantes induziram ao sono aquele homem alquebrado, abichornado. Moisés sonhava com um lugar onde os liquens cobriam eternamente as pedras.   Onde um simples golpe de enxada liberava o cheiro fértil de um chão úmido, e as veredas perenes trazendo abundância e vida para todos.
       Porém, a freada abrupta do caminhão, cortara-lhe o fluxo que alimentava aquele sonho sonhado! Chegaram. A realidade era amarga, seca, empoeirada. Cheia de cansaço e dúvidas.
       Era uma cidade pequena, que embora também sofresse as consequências da seca, ainda assim resistia.
       Aquela noite passaram sob a marquise de uma acanhada estação rodoviária. No dia seguinte condoído com aquela situação, um conterrâneo dividiu a própria casa com eles. Embora agradecido pela ajuda daquele Cirineu moderno, Moisés sentia-se humilhado. Seu orgulho de homem acostumado com a lida no campo estava ferido. Para ele, um homem sem teto e trabalho, valia menos que uma folha que se desprende de uma árvore. Então, possuído por uma ira desmedida, apoderou-se da primeira coisa que viu à sua frente. O santo do pau queimado. Sem que ninguém notasse, atirou-o no mato que havia do outro lado da rua e blasfemou muito!
       Na tarde daquele dia, seu Venâncio, saindo momentaneamente do estado de ausência, deu por falta do seu objeto santo e ficou nervoso.
       - No desembarque do caminhão, deve ter sido extraviado. Disse  Moisés sem hesitar, olhando para o infinito. Em poucos minutos o velho voltara à sua normalidade e a história do objeto santo foi esquecida.

       Passado uma semana, a preocupação de todos agora, era conseguir dinheiro para a passagem que faltava. Trabalho era difícil, e o ônibus que seguiria para a capital partiria dali três dias.
       Então resolveram abrir uma cabaça que muito pesava e que o velho guardara por muitos anos, com muito esmero e ciúmes.  Aquilo era um segredo enorme para todos, menos para João. Aproveitando o estado de ausência do velho apoderaram-se do objeto.
       Assim que a entornaram, uma espessa entranha metálica saltou do bojo escorrendo pelo chão batido. Eram moedas, sim, muitas. Uma alegria então percorreu a face de todos. Porém aquele metal escurecido e barulhento, já não tinha mais valor de troca. Já estava fora de circulação há muito tempo. Decepcionado e nervoso, Moisés saiu para fumar enquanto sua mulher e o filho devolviam aquelas inúteis moedas para o improvisado cofre.

       Mas o espírito do velho, parecia querer desistir de seguir a  viagem. No dia seguinte aconteceu um corre-corre. O velho Venâncio sofrera outro mal súbito.
     - Doutor por aqui? Só uma vez por mês, e quando vem! Disse um morador. E concluiu – melhor procurar o seu Caculé, o raizeiro daqui.   Esse já curou muita gente com suas garrafadas.
       - Onde? Perguntou Moisés com o rosto franzido de sol.
       - Meia hora a pé por aquele caminho, indicou o homem com a ponta do cachimbo.
       Agradecendo, Moisés e João saíram apressados.
Andaram um bom pedaço quando deram com uma multidão em frente a um casebre.

       - Caculé, o raizeiro? Perguntou Moisés ofegante.
       - Não! Na quinta casa descendo.  Disse uma mulher.
       - E o que é isso aqui? Inquiriu.
       - Milagres! Responderam três ao mesmo tempo.
       Explicaram-lhe que uma santa de madeira fora encontrada num lugar ali perto, e trazida para casa começou a realizar milagres. Muitos milagres.
       Então curioso, resolveu ele atestar isso de perto.
       Com muito custo conseguiram chegar até uma tosca janela que dava para o único cômodo da casa. Então ficaram perplexos ao verem o motivo real daquela epifania que alvoroçava toda aquele pobre gente.
       - Olha lá pai, aquilo não é a santa do vovô?
       De início o homem ficou reticente, depois bradou para que todos ouvissem.
       - Pois é sim, aquele pedaço de tição que mal cozinhava o feijão, agora faz milagres! E saiu balançando a cabeça e se acotovelando naquela multidão pobre e carente até ganhar a rua.
       A sua perplexidade só não foi maior, porque não vira o que seu filho João presenciara. As pessoas pagavam com o que podiam, para chegar perto da tal divindade... Não que a dona da casa exigisse, mas as promessas de milagres eram tentadoras.

       Quando retornaram trazendo a garrafa prescrita, encontraram Maria aos prantos, nervosa.
       O velho não resistira. Consolando um ao outro, fizeram a única coisa que podiam. Sua marcha pela terra findara.  Envolto num morim puído o seu corpo entregue ao chão, logo se integraria àquele pó vermelho que há muito tempo também não recebia o afago da chuva.    Nem padre havia naquele momento para encomendar a alma daquele pobre homem. Disseram que estava num almoço lá na casa de certo coronel. Sem lápide, apenas uma pequena cruz marcada com um número, indicava o local.

       Com a ausência do velho Venâncio, ironicamente o dinheiro que possuíam foi a conta exata para comprarem três passagens.
       Consternados, finalmente partiram. Para trás, deixavam uma significativa parte da vida, e  levavam consigo muitas lembranças. Para o futuro, mesmo sabendo das dificuldades, o sertanejo carregava muita esperança. No ônibus indo para a capital a marcha continuava. Lá fora uma lua  solidária viajava também.
       Maria, com um filho no ventre, fugia para um lugar seguro, longe daquela atmosfera herodiana.
       Moisés, liderava a marcha conduzindo a sua gente atravessando o agreste e a insolação vermelha em busca de uma nova Canaã.




Um conto de José Alberto Lopes-
SBC-19/07/2012
[edição melhorada em 10/05/2013]