sábado, 31 de janeiro de 2015
terça-feira, 6 de janeiro de 2015
Além do Arco-Íris (I)
Há fatos que acontecem em nossas
vidas e que tentamos de qualquer forma atropelar o tempo para que logo tudo
caia no esquecimento. Esquecer, pura e
simplesmente, não é tarefa fácil, não é
página que se rasgue, e pronto!! tudo resolvido. Mas, a luta do dia a dia para
não me lembrar daquele acontecimento, livrou-me de escorregar para o abismo
da loucura! A mim e ao meu companheiro
de jornada.
O meu propósito era
esquecê-lo para sempre. Todavia hoje, passado mais de três décadas, resolvi
quebrar a minha promessa e escrever sobre ele.
Bem afastada do continente, ficava a ilha das pedras.
Por essa condição estratégica, a ilha abrigava uma prisão de máxima segurança. Lá estavam
encarcerados pessoas com ideologias contrárias ao regime instalado naquela
época, e também criminosos comuns, facínoras como Radun, dentre outros.
Cumpriam perpétua!
Partimos enquanto uma borrasca se levantava lá no mar. Eu e o sargento Zara. Era uma viagem curta,
de uns quinze minutos, já rotina até a
Ilha. Porém, assim que decolamos,
recebemos um comunicado nos alertando sobre uma rebelião na qual
empreenderam fuga, Radum, Libéllus e Solares,
dentre outros.
Na distância em que nos encontrávamos, era possível ver um
rolo escuro de fumaça que lentamente
subia da pequena ilha. Com certeza, a rebelião já ganhara grandes proporções.
A borrasca por sua vez, ia se
dissipando, deixando no céu um lindo arco-íris que parecia se posicionar bem à
nossa frente. Voávamos a baixa altitude
e assim que cruzamos o enorme arco colorido percebemos algo anormal nos
instrumentos de navegação. A comunicação foi ficando cada vez mais débil até se
anular por completo. Parecia que estávamos voando numa zona morta.
A nave
começou a trepidar e a derivar para estibordo sem obedecer aos comandos.
Ficamos temerosos, pois a aeronave continuava trepidando, como tivesse sendo
peneirada e ao mesmo tempo, parecia ser
sugada por um funil numa velocidade estonteante, fora dos padrões normais que
uma aeronave daquela categoria poderia resistir. A fuselagem parecia
desintegrar-se junto a um ruído
ensurdecedor.
Não sabemos quanto tempo aquilo
durou. De súbito a estúpida força foi diminuindo, diminuindo, até que tudo se
acalmou. O motor não funcionava mas, a aeronave flutuava num denso nevoeiro até
que pousou mansamente num platô próximo a
um pântano. Inacreditável, parecia um pesadelo sem fim.
- Que lugar é este? Perguntou um
tanto aturdido, o Sargento Zara. E eu
também aturdido, respondi. __Logo saberemos. É uma ilha, porém não é a Ilha
das pedras com certeza não é.
Não estávamos sós. Um punhado de
pequenos guerreiros que lembravam
pigmeus assomou a certa distância de nossa aeronave. Tinham a pele cor de cobre e eram secos de carne. Não pareciam
hostis pois responderam de forma amistosa aos nossos sinais.
Abri a carlinga e descemos com
algum cuidado sob os olhares atentos e curiosos daqueles homúnculos que ainda
permaneciam estáticos. Alguns segundos de tensão e todos baixaram suas lanças de
pau e pedra. Dois deles saíram
do grupo e avançaram alguns metros em
nossa direção. Livraram-se das tocas que cobriam-lhes a cabeça, e eram dua
mulheres. Falando em mímica, a mais
velha delas pediu que os acompanhassem. Há uns novecentos metros dalí havia uma pequena aldeia, bem primitiva. O
único caminho para se chegar até lá era
pelo mangue, cheio de armadilhas naturais. Sem
nenhuma opção, seguimos.
Depois de dura caminhada sobre o
lodo e em meio a uma vegetação fechada, chegamos. Na parte mais alta
havia uma casa de pedra com três janelas, e de dentro saia uma fumaça
azulada.
Um velho bem alto, arqueado sobre
um báculo nos recebeu. Tinha longos e fartos cabelos brancos, arrematado por um chapéu de couro duro. Tinha a face macilenta, olhos azuis e falava a nossa
língua. A combinação era perfeita, lembrei-me de Gulliver e a ilha de Lilliput.
Entramos.
- O senhor não me parece nada
surpreso com a nossa presença. Disse, observando cada canto da casa.
- Digamos que de certa forma já os esperava!
- Não
entendi a brincadeira! Retruquei.
- Não
é brincadeira!Entenderás logo!
Ignorei as
réplicas, pois achei que ele estava mesmo brincando conosco, ou não passava de
um louco. Então me apresentei:
- Sou o
tenente Lopeck, e esse é o sargento Zara.
- Pode
me chamar de Burlog, Capitão Burlog.
Disse ele apontando com o báculo para que sentássemos.
Sobre uma taipa, um improvisado
fogão feito com três pedras, onde se assentava um caldeirão de barro, fumegava
uma espécie de sopa que por sinal cheirava muito bem. Com seu modo meio
desajeitado, mas, dócil, convidou-nos para cear com ele. Uma cabaça de mel e uma espécie de pão
completavam o jantar.
Um
castiçal tôsco feito de madeira com
três velas, que pendia do teto escuro sobre
a nossa mesa, mal clareava aquelas paredes fuligentas, e também aquele
rosto grande acolhido pela aba do
chapéu. Para sermos cordiais
aceitamos uma água.
Enquanto ceiava voltamos a falar
sobre aquele lugar, sobre a nossa chegada, sobre o nosso futuro...Sobre o
mistério de estarmos ali, sem mais , sem menos.
- Em que lugar estamos? Perguntou
Zara.
- Atrás do seu tempo! Respondeu de
forma natural, mastigando sem parar.
- Mas isso não responde nada!
Retruquei.
- Estão aqui para nos ajudar... e um dia vocês entenderão isso!
- Então não viemos aqui por acaso?
Perguntou Zara num tom de caçoada.
Ignorando o que dissera o sargento, ele continuou:
- Alguns piratas chegaram até a
nossa ilha. Já saquearam quase tudo o
que puderam. Mataram muitos ilhéus. Aqui, já não se ara a terra faz
muito tempo. Os nossos celeiros definham. Logo, logo, morreremos de fome. Como
vocês podem ver, aqui só sobraram velhos, mulheres e crianças. Mas a cobiça
maior são as pérolas que há por aqui, e
para pegá-las, é preciso mergulhar bem fundo, e somente os ilhéus podem fazer
isso, e por essa razão, também os
escravizam e os matam de tanto trabalho. Logo chegarão até este reduto. Nos encontrarão como urubús sabem da
carniça, e levarão o que resta de nossas
provisões.
- Sim, não deixa de ser uma uma
estória de aventura..Deixa eu entender isso... Disse o sargento.
- É um fato, e não uma
estória. Replicou o velho.
- E por quê você acha que temos
que salvá-los?
- Vocês
estão aqui, não é...?
- Do que você está falando?
- Nada de mais! Disse o velho
capitão, dando de ombros e levantando os braços.
- A nossa aeronave? Ficou lá perto
do pântano!.... Insinuei...
- Miserável. Disse o sargento ameaçando o velho com sua arma!
- Por favor, pediu ele!
Encolerizados, demos as
costas e tentamos sair da casa. Porém, sua voz de trovão
e sua pesada mão me deteve:
- Por
favor. Acreditem em mim, precisamos de sua ajuda. Tudo escrito está. Logo
voltarão para casa sem nenhum problema. Mas agora, precisamos da ajuda de
vocês. Sua nave está no pântano, no mesmo lugar e camuflada com arbustos de mangue, podem ir até lá e constatar,
levem nossos guias! Mas, depois voltem para nos ajudar.Sou velho demais para
isso, e aqui só tem mulheres e crianças. Por favor. Insistia o
velho capitão Burlog. E continuou:__É
uma longa história a minha. Fui Náufrago, e isso foi há muitos anos, um dos
poucos que se salvaram, e estar aqui vivo, devo à esses pequeninos....
Não sabemos explicar, mas, no
momento em que chegamos até a nossa aeronave,
vimos que tudo estava em ordem. A nave funcionava perfeitamente e o
painel indicava uma viagem ainda em curso.. Continuamos a não entender aquilo,
porém, algo nos amoleceu o coração e voltamos.
Acalmada a situação, pagamos pra
ver até aonde essa história nos levaria e aceitamos a empreitada.
Na manhã seguinte a aldeia acordou em polvorosa. Não era por causa
da tempestade que vinha lá do alto mar. Era por causa dos piratas. Eram eles
afinal. Existiam sim!
Nessa altura, os facínoras e a tempestade eram as únicas coisas que
cheiravam à realidade. Com nossas armas
modernas, não foi difícil enfrentá-los. Por estarem em desvantagem bélica,
preferiram fugir para uma pequena embarcação que estava fundeada a poucos
metros da praia. Na fuga, dois caíram
mortos e o rosto de um deles pareceu-me
familiar. Os outros três conseguiram chegar até o barco.
A tempestade chegou forte com
rajadas violentas provocando enormes ondas que partiriam ao meio um encouraçado
em poucos minutos.
Dali corremos para o abrigo, uma
pequena caverna, mas a nossa aeronave
nos preocupava.
Saímos para chegar à ilha das
pedras e chegamos a uma outra ilha que
se chamava, ilha das pérolas...que nunca soubemos exatamente onde ficava.
Dois dias depois da tormenta encontraram os corpos dos outros
três, roídos de peixe largados numa pequena
praia.
Dessa forma, a ilha se viu livre
daqueles piratas. Mas antes, os
pequenos, fizeram um lastro de pedras e amarraram no que sobrara dos
corpos e os atiraram de um penhasco. Acreditavam eles, que dessa maneira o
espírito mal de cada um daqueles homens ficaria lá até que a profundeza do mar os redimisse.
- Será que estamos alucinados
tenente?
- Tomara que sim, pois somente
isso poderá explicar o inexplicável!
Aquele povo triste voltava a
sorrir depois de tanto tempo sob o jugo
daqueles homens. O velho Capitão
Burlog, chorava, mas, era de alegria! Celebraram a liberdade como algo mais
precioso do mundo. Não trocariam aquela vida por toda pérola que havia naqueles
mares.
Gritavam palavras de
agradecimento. Dançavam e cantavam ao som de tambores, em volta de uma grande
fogueira, cujas chamas pareciam levar aos céus todos os seus louvores.
Já era madrugada quando nos levaram até a nossa
aeronave. Uma procissão de gente carregando suas tochas serpeavam a densa mata.
- Como voltaremos? Ia pensando, enquanto, embalados por aquela cantoria
seguíamos. Mais tarde entenderíamos porque partimos de madrugada. O tempo
estava limpo. Uma extensa poeira de estrelas piscava naquele céu, um céu
diferente.
Chegamos. O capitão Burlog tomou a
palavra e nos agradeceu muito. Aquele rosto macilento, agora se apresentava
corado, alegre!
Esticando seu longo braço,
apontou-nos uma constelação cujo nome não me lembro, mas que significava:
“Buraco ou fenda” e disse, com os olhos marejados:
- Sigam naquela direção, e o tempo
se encarregará do resto. Não se preocupem com nada, tudo findará bem.
Embarcamos, mais uma vez ovacionados por aquela gente.
Novamente ficamos sem entender
absolutamente nada. Tudo se repetiu, agora de maneira inversa. A estúpida força
agia nos expulsando pelo mesmo funil da entrada. A trepidação.. o medo.. a
tensão. Tudo se repetiu!
Não sabemos quanto tempo demorou
aquela transição. Mas era fato que de
repente voávamos já sobre a Ilha das pedras como se nunca estivéssemos saídos daquela rota. O horizonte agora se apresentava azul, ensolarado. O arco-íris, apenas um
resquício a estibordo, como um sinal de missão cumprida.
Assim que pousamos, a rebelião já
havia sido debelada. Os fugitivos
recolocados em suas celas.
Exceto dois, que tombaram na troca de tiros e
outros três que conseguiram
fugir. A busca continuou ininterruptamente, porém, sem sucesso!
Quando chegamos, tudo parecia ter
saído de um livro de ficção, exceto pelo vestígio de barro negro que havia no
trem de pouso da nossa aeronave, dois projéteis deflagrados de nossas armas,
além do sargento e eu.
Dias depois, os outros três
foragidos foram encontrados roídos de peixe largados numa pequena enseada.
Um
conto de José Alberto Lopes-®-aj-aj
Maio
de 2012/2014
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