sábado, 18 de maio de 2013

Perto e longe


Perto estão os dissolutos
A nos manterem longe dos seus atos.
Longe é o amor que está perto
Quando o ignoramos.
Perto  está a morte que nos espreita, nos atormenta
E que julgamos sempre longe.
Longe vai o pensamento
Pra perto de outros lugares.
Perto está a luz do sol,
Longe está a luz dos teus olhos.
Longe, as palavras benditas
Reverberando perto de nós.
Perto ouvimos gritos dissonantes
De quem está longe da integração.
Longe voam os pássaros
Na migração noturna,
Perto de incontáveis estrelas.
Perto te queria agora....
Todavia, longe estás
Perto de outro!


José Alberto Lopes.
 2010-sbc-SP.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Jóias aos pés




Vejo aquelas florzinhas miúdas
Que medram rente ao chão,
Nas trincas dos muros no asfalto....
Ignoradas, porém, lindas são.

Colhi delas um ramalhete;
Tinha azul, amarelo e branco.
E exalavam também perfumes,
Iguais as florzinhas do campo.

Amigos viram o arranjo
E ficaram admirados.
“Seriam as holandesas
Que por aqui já se tem cultivado?”

Olhei para elas e sorri...
Dizendo em tom claro e alto:
São as que medram nas fissuras,
Das calçadas, muros e asfalto.


José Alberto Lopes®
2006

O trem daquele tempo.




 

Out. de 2012-11-12
José Alberto Lopes.

Era um vulcão que andava.
Andava ao som da marcha dos seus pistões.
Descia e subia a velha serra do mar
Esvoaçando a sua longa e negra cabeleira.
Lá embaixo, na terra dos Andradas,
Cidades iam medrando do pé da serra
Até onde o mar engolia o céu.
Manhãs prateadas de névoa e o ouro do sol
Aos poucos se impondo com seu brilho.
E era alimentando a fornalha que Faustino
Alimentava em casa, seis bocas .
A negra máquina era também a sua casa.
Lá iam vagões solitários
Seguros mais pelas mãos divinas
Que por seus cabos de aço.
Levavam pessoas indiferentes
Presas também a seus fios, pensando na vida
Ou não querendo pensar.
Talvez pelo fio do medo, o fio da vida.
Por um fio, o fio de cabelo, o cabelo do relógio
(O fio do tempo) de um tempo ido.
Era um vulcão que andava, andava  ao som
Da marcha dos seus pistões.
Hoje, um vulcão extinto!


O Cine Cisne

  
Era uma construção lá do início do século XX. Telhado bem apanhado, terminado com gárgulas fantasmagóricas. Portas altas de carvalho trabalhadas a mão e uma escadaria em granito escuro. O prédio era caiado todos os anos, o  que lhe conferia sempre bom aspecto.
Seu Galdino não queria presenciar a demolição daquele prédio, onde funcionou o único cinema da cidade. Ele  trabalhara na  projeção dos filmes por longos  cinquenta  anos, mas criou coragem e foi.
Uma platéia circundava a área para assistir o que seria o último   e derradeiro espetáculo. Ali seria construído um estacionamento para veículos.
As paredes não resistiram à primeira estocada. Um cheiro de passado que decantado estava, parecia tomar conta do ambiente.
 Um  filme deve ter passado pela cabeça daquele  velho homem, os seus olhos já marejavam. Então, tomado por uma  solidariedade silenciosa e também emotiva pus-me a  divagar acerca de alguns filmes que ali assistira há muito tempo:

 -De quê  valeriam agora os gritos de “Tarzan, o filho da selva” a força de “Hércules”, aquela corrida de bigas  ganha por “Ben-Hur”, a paciência e perseverança de “Papillon”.. etc..?
 Aquilo era a própria “Ascensão e queda do Império Romano”.

Antes que o último tijolo caísse, retornando à origem, seu Galdino deu as costas para aquele estranho show e foi  embora. Não, ele  não suportaria.
Pois é, quase ninguém se indignou com  a demolição de um  prédio histórico. Ninguém apupou o seu desaparecimento, mas apupariam com certeza o velho Galdino se nesse momento  estivessem eles, numa sessão de cinema e o filme durante a projeção,  por infelicidade,  enroscasse, como acontecera algumas vezes.



José Alberto Lopes®
Jun. 2011










CONFISSÕES DE MARAPRAIA

 
Como um louco oceano
Ele invadiu o meu delta
Em algazarras selvagens
Como se um bando Celta.

Depois rasgou os meus diques
E desgrenhou o meu leito,
Quedou-se entre os meus seios
A ouvir célere peito.

Como um louco oceano,
Banhou-me em vagalhões,
Também sentiu o meu sal
Esquecido em meus porões.

E adentrou a minha casa
E bem disse a arquitetura.
Fez-me de dona e escrava
E completou a sua usura!

Por fim exausto deitou-se
Sobre a minha amurada.
Beijou-me e adormecemos,
Como velas arriadas!

E na vazante primeira,
Lá nos baixios das rocas,
Deixou-me furtivamente
Já no amanhecer das docas.···.

José Alberto Lopes.
2007

A rede e o Amor



Ouça o vento assoviando,
Olha a lua ainda lá,
O mar te acordou cantando,
Não demora clarear.

Pega o vento lá nos breus,
Põe na vela vai pra o mar,
O vento é dado por Deus,
E o peixe tem que pescar.

Joga a rede, vai João!
Joga a rede sem temer,
Mas na hora do arrastão,
Cuidado pra não romper!

Joga a rede e não se queixe,
Não espere amanhecer,
Aproveita que tem peixe,
Amanhã pode não ter.

Ficou na beira da praia,
Lá na areia uma flor,
Mariana Rosa Maia,
Mariinha seu amor.

Pra botar peixe no mar
Alguns dias Deus levou.
Cada peixe deste mar
É o amor que ela jurou.

Pra não ter um dissabor,
Puxa a rede devagar,
Canta e puxa pescador,
Seu amor ta a lhe esperar.

Tanto o amor como uma rede,
Pedem amabilidade,
Pois de linha é feita a rede,
E o amor é de saudade!


Rev . 13/05/2008
Origem. 27/06/2005

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O triste fim de Policarpo Quaresma




Ponta da praia-Santos- SP. [1971]


(Com a devida licença de Lima Barreto)




Era noite ainda quando o velho navio sentiu descochar as suas amarras. Nem a pesada âncora deu conta. Uma grotesca tempestade o arrasta em portentosos vagalhões, arremessando-o à praia.
Amanhece e um gigante monumento de aço com mais de 62 metros de comprimento é o que se vê, ainda aprumado e plantado na areia como se fosse zarpar.
Aquela fortuita coisa, digere logo a atenção de centenas de pessoas que correm para lá, curiosas e espantadas.
Na proa e na popa, lia-se em letras grandes, já quase apagadas, o nome da embarcação: Policarpo Quaresma.
Com a proa apontada para o mar, parecia aflito pedindo ajuda, porém, as inconstantes marolas sequer tocavam a ponta do seu casco. Estava ali na areia, a mesma areia que tantas vezes o viu passar e desaparecer na curvatura do mar.
Sua quilha, peito de águia, comprimida sobre o chão, nunca mais singraria aquelas águas, pois à tarde vieram uns homens com suas marretas, maçaricos e serras e o retalharam como boi no matadouro! Só retiraram intato de suas entranhas, o enorme coração movido a Diesel e seus braços de aço em forma de pás. O restante virou mesmo sucata de segunda.
Foi sem dúvida um triste desfecho para quem durante décadas enfrentara tormentas e madrugadas frias, mas sempre trazendo para o cais, os seus marujos, o seu capitão, além de toda carga. Todos, sãos e salvos.
Penso caro leitor, que poderiam tê-lo de alguma forma, poupado desse vexame. Poderiam relançá-lo ao mar e afundá-lo, como é de costume na maior parte das vezes. Serviria ainda por muito tempo de moradia aos peixes, até que os vermes do mar o consumissem para sempre.
Sim, poderiam dar-lhe um fim honroso, digno das boas embarcações, mas quis o destino talvez, por causa do nome que carregava, imputar-lhe também este triste fim.



NOTA: 

Homenagem ao navio originalmente chamado: Carl Hoepcke, um luxuoso navio de passageiros, de origem alemã, na época fundeado em Santa Catarina. Aquele que encantou por décadas os Florianopolitanos, teve a sua trajetória interrompida por causa  de um incêndio ocorrido em 27 de setembro de 1956. Depois de uma reforma e transformado em navio cargueiro acabou sendo vendido para uma empresa no norte do país. Passando por vários donos, acabou em Santos, São Paulo, como Navio-Recreio, que ficava fundeado do outro lado, na praia do Góes.
Em 26 de fevereiro de 1971, aconteceu o incidente, vindo encalhar na ponta da praia em Santos, a 100 metros da Avenida Bartolomeu de Gusmão.
Com as inconstâncias do lugar, por causa das marés, hoje é possível ver partes do seu casco que ainda jazem nas escuras areias da ponta da praia.





domingo, 12 de maio de 2013

Certos jardins



Há certos jardins
Que é preciso reviver.
Rever canteiros de flores,
Os bancos marcados pelo tempo
Onde se sentavam sonhos
E eram bons os sonhos.
Pisar as calçadas
E andar pelas alamedas de hortênsias.

Rever a árvore grande e anosa
Marcada a canivete.
Rever então os entalhes profundos,
O meu nome e o dela,
E dois corações que pulsavam.

Saudades...


JAL- SBC- SP.
12/05/2013