terça-feira, 19 de junho de 2012

Ode a uma Ferradura






Esteve ali à mercê do tempo,
semi-sepultada, não morta.
Um ômega carcomido e solitário,
  apartado dos seus
e do verdadeiro destino,
como âncora sem navio.

Deixando coxear
uma cavalgadura,
ficou ali esquecida.
Somente  um cravo
a acompanhara,
já desfigurado e inútil
como a chuva tardia.

Um homem tirou-a da terra,
jogou-a em seu alforje
e seguiu caminho!
Por um momento ela acreditou
que um ferreiro  a devolveria
 à labuta.
Sonhou que ouvia novamente
o tropel sobre as pedras,
arrancando delas
o sangue faiscoso.
E sobre a secura do chão
levantando a  poeira!

Singrou várias léguas,
não tocava o chão.
Ia machucada de ferrugem
soltando pó de sangue e terra.
Não sentia o arrocho dum casco,
nem a companhia das outras...
Não levava, era levada!

Não  servirá a mais nenhuma cavalgada.
veio para dormir o sono dos justos!
Tudo ficou para trás.
Hoje repousa na minha velha porta
junto a uma antiga aldrava
de semelhante forma.

Oh! Essa pequena lira
de sons outrora troantes.
Tive sorte ao encontrá-la!
A inspiração escassa,
as palavras já não vinham...
Dizem que um poeta  morre
se não escreve mais.
Tive sorte ao encontrá-la,
e  me basta essa sorte!



José Alberto Lopes ®
18/06/2012

sexta-feira, 15 de junho de 2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012

ODE AO VELHO FÍCUS

(Foto internete)

Ode  ao velho Fícus

O velho Fícus
Perdido  no tempo
E o tempo
Consumindo-se
Feito incenso queimando.
Os artelhos da árvore
Cada vez mais grotescos
Tomavam o terreno
Como celtas errantes.
Seus galhos torcidos
Pelo tempo inclemente
Sustentavam outros tantos,
Mais tenros, mais nobres
Onde repousavam
Suas folhas fidalgas,
Brilhantes e cerosas
 Como os olhos  da jia.
Ah! os ninhos perenes das rolas.
Os pardais, fim de tarde.
Cigarras vivendo,
Cigarras morrendo
Nesse universo verdoso
De seio impenetrável
Ao sol e a chuva!

Oh! Ramas camarinhas.
Teu signo, teus anos,
Quem  se importa?
Que mãos te agasalharam com a terra
Para que chegaste até aqui?
Benditas mãos!

Teu colo marcado
A canivete.
 Nomes, corações, juras..
Tua sombra feminil,
Refrescante e cheirosa
Onde  paravam os andantes,
Cansados, como a mendigar
O teu ar!
São provas  inefáveis
Da tua existência...
Ah! confessionário das paixões.
Ouvidora dos queixumes
Dos pássaros, insetos, vento, chuva..
Seria uma rua onde havia uma árvore?
Ou uma árvore onde havia uma rua?

Mas um dia, sem prévio aviso
Vieram...........
Ninguém protestou,
Ninguém que se saiba!
Vieram ruidosos
Vestidos de verde.
Nem claro, nem escuro!
Diria: um verde irônico.
Chegaram no frescor da manhã;
O hálito das folhas ainda serpeava no ar.

A serra rosnou, rosnou!
Mostrou seus dentes afiados, travados.
Depois, imitando o canto da cigarra
Ela em desatino cantou.
Foi um canto triste.
Um Invernal canto!


Porque cortaram  um velho Fícus perto de casa- Bairro Assunção - SBC. SP.
O homem quando morre, colocam-no sob a terra, e a árvore, tiram-na da terra para morrer!

06/06/2012
José Alberto Lopes®

O RELÓGIO

Quadro de Salvador Dalí.



O relógio

Tic tac, tic tac...
No silêncio das moscas
Um pulsar incessante
Do solitário e nômade
Relógio de corda.
De dia, na cristaleira
Na companhia dos pratos.
À noite, na cabeceira
Entre copos e remédios.
A  carcaça perdera a cor.
Talvez verde ou turquesa.
 Seu  dial desbotado
Como foto antiga
E visor  embaçado,
Marcado,míope.
Mas ainda era forte
No seu tic tac, tic tac...

No repique matinal,
Sempre  um braço sonolento
Esticava-lhe uma mão
De censura.

Oh! artefato de medir o tempo.
cujos passos incontáveis dos segundos
conduzem nossas
existências; início e fim!

Mas o tempo e a poeira,
Irmãos bivitelinos
Com suas mãos de camurça
Sempre  com suas troças...

Começara a falhar.
- Que horas são?
Perguntavam
Olhando-o com desprezo.
Já não tinha mais crédito.
Andava ofegante,
Aos trancos.
Nem lubrificantes,
Limpeza torácica,
Ajuste da âncora
Deram mais jeito!
E assim continuou;
Tic.............tac

Num dia de outono
De céu carregado
De vento soprando
As coisas no chão.
Um pau de vassoura
Que ia e vinha
Golpeou sem querer
O velho maluco!
Caiu lá de cima
Como cai uma estrela,
No chão da cozinha
E espatifou-se.
A campana gemeu
Derradeiro suspiro,
Foi curto, abafado.
Depois, o silêncio.
Em cacos miúdos,
O visor  embaçado
E as vísceras soltas,
Entornadas no chão.

Baixou a criada
De unhas vermelhas
Largou da vassoura
E  pôs-se  a colher.
Nervosa e pálida,
Com muita pressa
Parecia recolher
Cada segundo
Que o velho relógio
Já havia marcado.




José Alberto Lopes
06 de junho de 2012

sexta-feira, 8 de junho de 2012

ODE A HERMÓGENES



Ode  a Hermógenes


Que alma é essa
Que traz  sons divinos
Cheio de arpejos e cores
Sorrindo leve à brisa?
Será que veio  de uma flor
De única e rara semente
Vestida de corpo
Essa alma será?
Donde vem essa alma
Que o salmista cantou
Que a tristeza desbota
E dá mais cor à alegria?
Vem talvez lá de longe
Onde vivem os moinhos,
Donde a lua  ganha prata
 E dá ouro aos poetas?
Que alma ditosa é essa
Que é lírio, que é rosa,
Que afaga, que chora, que ri
E exalta a esperança?
Será de gente essa alma
Ou de um frágil colibri
Que insiste sobre os espinhos
Não desistindo da flor?
Donde vem essa alma
Que ensina saúde
Que acalma a s procelas
Aqui dentro de nós?
Vem talvez lá do mar
Posto que o mar é incessante,
Ou das nômades dunas,
Posto que são mansas,
Sábias e pacientes!
Que alma é essa
Despojada de vaidades
Que suprime a dor sua
Pra sentir a do amigo?
Existirá outra como essa,
Debutante a cada olhar?
Alma assim vestida em corpo
Nesse corpo a palpitar?

Dr.  José Hermógenes de Andrade.
Escritor. Ex- professor de Filosofia e História do Brasil, além  de ser um dos maiores representantes da Yoga no ocidente.

( A rosa é suprema delicadeza, mas tem espinhos para se defender)


José Alberto Lopes.-12/03/2005