terça-feira, 2 de junho de 2015

Carl Hoepcke - O navio.

(Foto internete)






                                                              Carl   Hoepcke

A última morada.

 O saguão de espera para embarque, estava fervilhando de gente. Aquela seria a primeira viagem de Júlio e a primeira de navio. O jovem era caixeiro viajante. Estava ansioso.

O transatlântico Carl Hoepcke era um navio luxuoso, raro em portos nacionais. De origem alemã, construído em 1.926, fora adquirido juntamente com seu irmão gêmeo, o Anna, para compor  a frota duma promissora empresa de navegação de cabotagem instalada em Florianópolis Santa Catarina.
Possuía duas classes. Tinha ótimos camarotes, salão de festa, mesas com cadeiras giratórias, cozinha sofisticada, além de louças e pratarias importadas. Também era provido de rádio para navegação, e até um fumadouro com belas e confortáveis poltronas e divãs. Um piano animava os passageiros e era tocado pelo telegrafista e pianista do navio.

No saguão o burburinho continuava, misturado aos rangidos das rodas sobre os trilhos dos bondes que passavam ali na avenida Portuária.
Um casal  chegara  atrasado e foi logo perguntando sobre a partida  do navio. Teve sorte, pois o atraso já somava uns trinta minutos.
Era um homem  de meia idade  e impecavelmente trajado. Acompanhava-o uma linda jovem também muito elegante. A diferença de idade  entre eles, chamava a atenção. Ela usava um chapéu com longas plumas, bolsa e sapatos da mesma cor do vestido e muitas joias.
O homem acomodou-se numa poltrona  próximo de Júlio, acendeu um legítimo Havana e  começou a folhear o matutino. De seus dedos coruscavam grandes anéis de ouro com pedrarias em ônix e rubis. Do seu lado, a moça permanecia  em pé. Isso deixou Júlio intrigado.__Que homem Grosso! Pensou. Então demonstrando cavalheirismo, levantou-se e cedeu  o seu lugar a ela.
Nesse simples gesto, percebeu o quanto o mundo  tornava-se cada vez mais pequeno. Era sem dúvidas, Madeleine, não tinha como não a reconhecer. Não! não era ilusão da fumaça desgarrada do seu cigarro! Era ela.
__ Meu Deus! é você? Disse ele surpreso, quase sussurrando.
__Júlio.....!! gaguejou a  moça!
    
Foram namorados durante muitos anos. Trocaram juras e até  arremedos de alianças  de compromisso, ainda no tempo de colégio. Porém, a vida os  separara. Enquanto se  ensaiava um diálogo, por sobre o jornal, aquele homem  os observava, com um olhar nada amistoso.
A moça franziu o canto da boca, agradeceu friamente e sentou-se dirigindo ao chão  um olhar submisso. Nas entrelinhas, Júlio, de certa forma, entendera o que  se passava, engoliu seco e afastou-se do local  dirigindo-se até o bar, onde pediu um café, papel e lápis. Numa pequena xícara carnuda, um café preto que pelava, e enquanto bebericava escrevia algo  apressadamente. Seu peito ressoava forte! Depois retornou para onde estava o casal e se apresentou ao  homem, como caixeiro viajante oferecendo-lhe  seu cartão de referência. O brutamonte o ignorou abrindo as duas páginas do jornal, conferindo as cotações do dia. Mesmo assim, Júlio, correndo o risco conseguiu entregar à Madeleine, o seu bilhete. Ela o agasalhou fechando  a mão e  o guardou entre os seios.

Finalmente todos puderam se dirigir  ao portaló do navio e em seus camarotes se acomodaram.
Então o apito surdo estremeceu o ar, o cais, e o capitão respirou  aliviado!
O mar estava calmo naquela manhã, sol entre nuvens e um noroeste fraco.
Logo o luxuoso navio deslizava preguiçosamente, deixando para trás o seu rastro n'água, uma negra cabeleira de fumaça e  a velha Santos dos Andradas.

Mal guardara  sua mala, retornou ao convés e com olhos aquilinos varreu   cada espaço na esperança de ver novamente Madeleine. Mas não foi o que aconteceu e quando já voltava descendo  do convés, um funcionário do navio o chamou discretamente:
__Senhor Júlio, senhor Júlio! pediram que lhe entregasse isso aqui!  Disse passando-lhe rapidamente  um papel dobrado em dois.
__Onde está ela? Interpelou Júlio. Mas o funcionário se retirou sem nada mais dizer.
Ansioso, correu até a sua cabine. Era uma pequena carta assinada com a letra M. A bela cursiva   sacramentava o que Júlio não queria acreditar. Estavam casados e fazia pouco tempo, e ela não era feliz.....Ele era um homem influente no meio político, tinha negócios na Bolsa do café, além de ser um homem grosso.O casamento acontecera  por imposição das  duas famílias. Porém, ela nunca se esquecera de Júlio, o amava, e isso abriu ao rapaz uma réstia de luz....
Suspirando, releu a carta e depois, com os olhos lacrimejados  jogou-se sobre a impecável cama e dormiu. Não demorou, acordou de um sonho estranho, um pesadelo. Sonhara que Madeleine era uma das camareiras do navio, que aparecendo em  seu dormitório, pedia-lhe desesperadamente que ele deixasse  o local. Acordou puxando o ar e com o coração bombeando forte. Lavou o rosto, sacou  um cigarro e logo estava recomposto. Mas, já  havia perdido a vontade de viajar e  sua ansiedade  transformara-se   em tristeza.
__Por que, Madeleine? Por quê?

Subiu e caminhou até a  amurada do navio  e lá debruçado, com as mãos entrelaçadas, ficou por longo tempo olhando para  um ponto  fixo no espaço. Depois tirou do bolso a carta e leu mais uma vez. Sua cabeça latejava! A perdera  novamente....Mas, os dias felizes  que tiveram, ainda viajavam no convés da sua memória... Parecia sonhar acordado.
Então ali quase em transe,  foi repentinamente despertado  pelo alarme intermitente que tocava.:
__Incêndio  na casa de máquinas, organizem-se  em fila indiana e dirijam-se até a área dos botes salva vidas. Sigam o líder, gritou o imediato com voz firme, através de uma corneta.

Eram 168  almas a bordo, entre tripulantes e passageiros. No desespero alguém lançou-se ao mar, e infelizmente nunca  foi encontrado.
Mas, num ato impensado Júlio quebrara as regras. Correndo na contramão, desceu até o seu camarote. Apanhava seus pertences quando uma camareira o surpreendeu. Energicamente pediu-lhe que  abandonasse  a  área rapidamente e seguisse  os  demais. Pôde levar apenas a pequena valise. Saiu trôpego ganhando finalmente o convés. Acomodado em  seu escaler, ficou a matutar sobre  a cena do pesadelo e  a cena real que a pouco vivenciara...e se perguntava por Madeleine!

Era manhã do dia 27 de setembro de 1.956, quando há uns 29 kilômetros  de Santos ocorrera o acidente que só não  se transformou em  tragédia, graças ao navio Inglês  Norseman da WT e  do outro navio, o Itaquatiá da CNNC que navegando próximo  a área,  prontamente realizaram o resgate de todos. Júlio, por mais que tentasse, não conseguiu mais avistar a garota. Chateado ali mesmo abandonou a profissão.

Desespero por desespero o capitão e alguns tripulantes tentaram uma última e arriscada manobra para salvar o  navio do incêndio que ainda o consumia. Arrastaram-no com o auxílio de um rebocador e o encalharam propositalmente  no estuário Conceiçãozinha. Após debelada as chamas, bem que o Carl Hoepcke  se negara  a flutuar. Depois de várias tentativas foi finalmente rebocado para o seu porto de origem.
Porém o orgulho, principalmente dos Florianopolitanos  estava ferido. O então glamouroso  navio já não era o mesmo. Chamuscado, sem a chaminé, movendo-se, não por moto próprio, deixou seus admiradores consternados. Mesmo assim o receberam como  um heroi que retorna da guerra. A ponte Hercílio Luz estava tomada de gente naquele dia, e o aplaudiram quando ele a cruzou.
Mas o destino do Carl Hoepcke estava decretado! No estaleiro Arataca, ferindo mais uma vez o orgulho da sua gente, o então luxuoso navio de passageiro foi transformado em navio cargueiro.
Dai para frente nunca mais tiveram notícias  dele. O máximo que se soube  é que fora rebatizado com outro nome. Assim como Júlio também nunca mais teve notícias  de Madeleine.

Como cargueiro, manteve a sua dignidade cortando as águas  costeiras do país, transportando  carvão, açúcar,  madeira...dentre outras mercadorias.

Caro leitor, essa história bem que poderia terminar aqui. Porém,  num dia , quase final de fevereiro, Júlio, como era seu hábito, saiu para a sua caminhada matinal pela orla marítima de Santos. Sair do canal 3 e chegar  ao canal 6 era uma boa puxada. O sol ainda era tímido e o ar estava fresco depois da chuva da madrugada. Foi pela areia.
O imenso mar o acompanhava a bombordo, mas foi à sua proa  ao longe que uma cena insólita aos poucos se descortinava . Caminhou mais um estirão, e. Era um navio encalhado nas areias de  Santos. Aproximou-se e viu que se chamava Recreio. Conferiu-o com pouco interesse e dali retornou, agora, sob as sombras  das velhas amendoeiras.

Muitos anos depois, lendo um artigo num jornal da cidade, muitas recordações vieram à tona!
Aquele navio chamado Recreio. Tratava-se na verdade, do antigo Carl Hoepcke que depois de cargueiro ainda serviu como boate flutuante e que ficava ancorado na praia do Góes em Santos.

Aconteceu assim:
Era madrugada do dia 28 de fevereiro de 1.971, quando aquele navio sentiu descochar as suas amarras. Nem a pesada âncora deu conta, uma tremenda tempestade o arrasta em portentosos vagalhões, arremessando-o  à praia.
Amanheceu e um gigante monumento de  aço  com mais de 62 metros de comprimento estava lá  há uns 100 metros  da  avenida, aprumado sobre  a  areia como se pedisse socorro. Logo  aquela fortuita coisa digere a atenção de centenas de pessoas que correm até o local, espantadas e curiosas. __ Como pode   a areia prender um gigante assim? Pode!!
Depois de intermináveis discussões burocráticas, a sorte estava lançada. Numa tarde vieram uns homens e a bico de maçarico o retalharam  como boi no matadouro. somente lhe pouparam o leme, que ainda hoje encontra-se guardado num armazém do  porto de Santos. o restante virou sucata barata.
É possível ainda hoje, na baixa-mar, ver partes grandes do seu caso que ainda jazem nas escuras areias  daquela ponta de praia.

Aquele artigo, aquele acontecimento, deixou Júlio mais uma vez triste e saudoso. No dia seguinte saiu logo cedo e dirigiu-se ao local do  antigo naufrágio. Era inverno, a praia estava  praticamente deserta, as amendoeiras estavam desnudas,e o vento cortava de  frio.  Era baixa-mar, então ele pode ver  resquícios  do velho casco. Quedou-se por minutos..
Depois, num ato solene, reduziu a pedaços, a carta que Madeleine havia  escrito  há mais de quarenta anos e atirou tudo sobre o casco semi-exumado!
Emocionado, deu as costas e caminhou pela areia, sem olhar para trás,  desaparecendo aos poucos em meio à névoa. E  eram os pedaços tão pequeninos  que  as gaivotas as colhiam como se fossem migalhas atiradas.



                                               FIM


Um conto de José Alberto Lopes.
março/maio de 2015







sábado, 31 de janeiro de 2015

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Além do Arco-Íris (I)




Há fatos que acontecem em nossas vidas e que tentamos de qualquer forma atropelar o tempo para que logo tudo caia  no esquecimento. Esquecer, pura e simplesmente, não é  tarefa fácil, não é página que se rasgue, e pronto!! tudo resolvido. Mas, a luta do dia a dia para não me lembrar daquele acontecimento, livrou-me de escorregar para o abismo da  loucura! A mim e ao meu companheiro de jornada.
O meu propósito era esquecê-lo para sempre. Todavia hoje, passado mais de três décadas, resolvi quebrar a minha promessa e escrever sobre ele.
 Bem afastada do continente, ficava a ilha das pedras.
  Por essa condição estratégica, a ilha abrigava uma  prisão de máxima segurança. Lá estavam encarcerados pessoas com ideologias contrárias ao regime instalado naquela época, e também  criminosos  comuns, facínoras como Radun, dentre outros. Cumpriam perpétua!
 Partimos enquanto uma borrasca se levantava lá no mar.  Eu e o sargento Zara. Era uma viagem curta, de uns quinze  minutos, já rotina até a Ilha. Porém, assim que decolamos,  recebemos um comunicado nos alertando sobre uma rebelião na qual empreenderam fuga, Radum, Libéllus e Solares,  dentre outros.
 Na distância em que nos encontrávamos, era possível ver um rolo  escuro de fumaça que lentamente subia da pequena ilha. Com certeza, a rebelião já ganhara grandes proporções.
A borrasca por sua vez, ia se dissipando, deixando no céu um lindo arco-íris que parecia se posicionar bem à nossa frente. Voávamos  a baixa altitude e assim que cruzamos o enorme arco colorido percebemos algo anormal nos instrumentos de navegação. A comunicação foi ficando cada vez mais débil até se anular por completo. Parecia que estávamos voando numa zona morta.
A nave começou a trepidar e a derivar para estibordo sem obedecer aos comandos. Ficamos temerosos, pois a aeronave continuava trepidando, como tivesse sendo peneirada e  ao mesmo tempo, parecia ser sugada por um funil numa velocidade estonteante, fora dos padrões normais que uma aeronave daquela categoria poderia resistir. A fuselagem parecia desintegrar-se junto a   um ruído ensurdecedor.
Não sabemos quanto tempo aquilo durou. De súbito a estúpida força foi diminuindo, diminuindo, até que tudo se acalmou. O motor não funcionava mas, a aeronave flutuava num denso nevoeiro até que pousou mansamente num platô próximo a   um pântano. Inacreditável, parecia um pesadelo sem fim.
- Que lugar é este? Perguntou um tanto aturdido,  o Sargento Zara. E eu também aturdido, respondi. __Logo saberemos. É uma  ilha, porém não é  a Ilha das  pedras  com certeza não é.
Não estávamos sós. Um punhado de pequenos  guerreiros que lembravam pigmeus assomou a certa distância de nossa aeronave. Tinham a pele  cor de cobre e eram secos de carne. Não pareciam hostis pois responderam de forma amistosa aos nossos sinais.
Abri a carlinga e descemos com algum cuidado sob os olhares atentos e curiosos daqueles homúnculos que ainda permaneciam estáticos. Alguns segundos de tensão  e todos baixaram suas lanças de  pau e pedra.  Dois deles saíram do grupo e avançaram  alguns metros em nossa direção. Livraram-se das tocas que cobriam-lhes a cabeça, e eram dua mulheres. Falando em mímica,  a mais velha delas pediu que os acompanhassem. Há uns novecentos metros dalí  havia uma pequena aldeia, bem primitiva. O único caminho para se chegar até lá  era pelo mangue, cheio de armadilhas naturais. Sem  nenhuma opção, seguimos.
Depois de dura caminhada sobre o lodo e em meio a uma vegetação fechada, chegamos. Na parte  mais alta  havia uma casa de pedra com três janelas, e de dentro saia uma fumaça azulada.
Um velho bem alto, arqueado sobre um báculo nos recebeu. Tinha longos e fartos cabelos brancos, arrematado  por um chapéu de couro duro. Tinha a  face macilenta, olhos azuis e falava a nossa língua. A combinação era perfeita, lembrei-me de Gulliver e a ilha de Lilliput. Entramos.
- O senhor não me parece nada surpreso com a nossa presença. Disse, observando cada canto da casa.
- Digamos que de certa forma  já os esperava!
- Não entendi a brincadeira! Retruquei.
- Não é  brincadeira!Entenderás logo!
Ignorei  as réplicas, pois achei que ele estava mesmo brincando conosco, ou não passava de um louco. Então   me apresentei:
- Sou o tenente Lopeck, e esse é o sargento Zara.
- Pode me chamar de Burlog, Capitão Burlog.  Disse ele apontando com o báculo para que sentássemos.
Sobre uma taipa, um improvisado fogão feito com três pedras, onde se assentava um caldeirão de barro, fumegava uma espécie de sopa que por sinal cheirava muito bem. Com seu modo meio desajeitado, mas, dócil, convidou-nos para cear com ele. Uma  cabaça de mel e uma espécie de pão completavam o jantar.
Um castiçal tôsco feito  de madeira com três velas, que pendia do teto escuro sobre  a nossa mesa, mal clareava aquelas paredes fuligentas, e também aquele rosto grande acolhido pela aba do  chapéu. Para sermos  cordiais aceitamos uma água.
Enquanto ceiava voltamos a falar sobre aquele lugar, sobre a nossa chegada, sobre o nosso futuro...Sobre o mistério de estarmos ali, sem mais , sem menos.
- Em que lugar estamos? Perguntou Zara.
- Atrás do seu tempo! Respondeu de forma natural, mastigando sem parar.
- Mas isso não responde nada! Retruquei.
- Estão aqui para nos  ajudar... e um dia vocês entenderão isso!
- Então não viemos aqui por acaso? Perguntou Zara num tom  de caçoada.
Ignorando o que dissera  o sargento, ele continuou:
- Alguns  piratas  chegaram até a nossa ilha.  Já saquearam quase tudo o que puderam.  Mataram muitos  ilhéus. Aqui, já não se ara a terra faz muito tempo. Os nossos celeiros definham. Logo, logo, morreremos de fome. Como vocês podem ver, aqui só sobraram velhos, mulheres e crianças. Mas a cobiça maior são as pérolas  que há por aqui, e para pegá-las, é preciso mergulhar bem fundo, e somente os ilhéus podem fazer isso, e por essa razão, também  os escravizam e os matam de tanto trabalho. Logo chegarão até este  reduto. Nos encontrarão como urubús sabem da carniça, e levarão o que resta de nossas  provisões.
- Sim,  não deixa de ser uma  uma estória de aventura..Deixa eu entender isso... Disse o sargento.
- É um fato, e não uma estória.  Replicou o velho.
- E por quê você acha que temos que salvá-los?
- Vocês estão aqui, não é...?
- Do que você está falando?
- Nada de mais! Disse o velho capitão, dando de ombros e levantando os braços.
- A nossa aeronave? Ficou lá perto do pântano!.... Insinuei...
- Miserável. Disse o sargento  ameaçando o velho com sua arma!
- Por favor, pediu ele!
Encolerizados, demos as costas   e tentamos  sair da casa. Porém, sua voz de trovão e  sua pesada mão me deteve:
- Por favor. Acreditem em mim, precisamos de sua ajuda. Tudo escrito está. Logo voltarão para casa sem nenhum problema. Mas agora, precisamos da ajuda de vocês. Sua nave está no pântano, no mesmo lugar  e camuflada com arbustos de mangue, podem ir até lá e constatar, levem nossos guias! Mas, depois voltem para nos ajudar.Sou velho demais para isso, e   aqui só tem  mulheres e crianças. Por favor. Insistia o velho  capitão Burlog. E continuou:__É uma longa história a minha. Fui Náufrago, e isso foi  há muitos  anos, um dos poucos  que se  salvaram, e  estar  aqui vivo, devo à esses pequeninos....
Não sabemos explicar, mas, no momento em que chegamos até a nossa aeronave,  vimos que tudo estava em ordem. A nave funcionava perfeitamente e o painel indicava uma viagem ainda em curso.. Continuamos a não entender   aquilo,  porém, algo nos amoleceu o coração e voltamos.
Acalmada a situação, pagamos pra ver até aonde essa história nos levaria e aceitamos a empreitada.
Na  manhã seguinte a aldeia acordou em polvorosa. Não era por causa da tempestade que vinha lá do alto mar. Era por causa dos piratas. Eram eles afinal. Existiam sim!
Nessa altura, os facínoras e  a tempestade eram as únicas coisas que cheiravam à realidade.  Com nossas armas modernas, não foi difícil enfrentá-los. Por estarem em desvantagem bélica, preferiram fugir para uma pequena embarcação que estava fundeada a poucos metros  da praia. Na fuga, dois caíram mortos e o rosto de um deles  pareceu-me familiar. Os outros três conseguiram chegar até o barco.
A tempestade chegou forte com rajadas violentas provocando enormes ondas que partiriam ao meio um encouraçado em poucos minutos.
Dali corremos para o abrigo, uma pequena caverna, mas a    nossa aeronave nos  preocupava.
Saímos para chegar à ilha das pedras e chegamos  a uma outra ilha que se chamava, ilha das pérolas...que nunca soubemos exatamente  onde ficava.
Dois dias depois da  tormenta encontraram os corpos dos outros três, roídos de peixe largados numa pequena  praia.
Dessa forma, a ilha se viu livre daqueles piratas. Mas antes, os  pequenos, fizeram um lastro de pedras e amarraram no que sobrara dos corpos e os atiraram de um penhasco. Acreditavam eles, que dessa maneira o espírito mal  de cada um  daqueles homens ficaria lá  até que a profundeza do mar os redimisse.
- Será que estamos alucinados tenente?
- Tomara que sim, pois somente isso poderá explicar o inexplicável!
Aquele povo triste voltava a sorrir depois  de tanto tempo sob o jugo daqueles homens. O velho  Capitão Burlog, chorava, mas, era de alegria! Celebraram a liberdade como algo mais precioso do mundo. Não trocariam aquela vida por toda pérola que havia naqueles mares.
Gritavam palavras de agradecimento. Dançavam e cantavam ao som de tambores, em volta de uma grande fogueira, cujas chamas pareciam levar aos céus todos os seus louvores.
Já era madrugada quando nos levaram até a nossa aeronave. Uma procissão de gente carregando suas tochas serpeavam a densa mata. - Como voltaremos? Ia pensando, enquanto, embalados por aquela cantoria seguíamos. Mais tarde entenderíamos porque partimos de madrugada. O tempo estava limpo. Uma extensa poeira de estrelas piscava naquele céu, um céu diferente.
Chegamos. O capitão Burlog tomou a palavra e nos agradeceu muito. Aquele rosto macilento, agora se apresentava corado, alegre!
Esticando seu longo braço, apontou-nos uma constelação cujo nome não me lembro, mas que significava: “Buraco ou fenda” e disse, com os olhos marejados:
- Sigam naquela direção, e o tempo se encarregará do resto. Não se preocupem com nada, tudo findará bem. Embarcamos, mais uma vez ovacionados por aquela gente.
Novamente ficamos sem entender absolutamente nada. Tudo se repetiu, agora de maneira inversa. A estúpida força agia nos expulsando pelo mesmo funil da entrada. A trepidação.. o medo.. a tensão. Tudo se repetiu!
Não sabemos quanto tempo demorou aquela transição. Mas era fato que de  repente voávamos já sobre a Ilha das pedras  como se nunca estivéssemos saídos daquela rota. O horizonte  agora se apresentava  azul, ensolarado. O arco-íris, apenas um resquício a estibordo, como um sinal de missão cumprida.
Assim que pousamos, a rebelião já havia sido debelada. Os fugitivos  recolocados em suas  celas. Exceto dois, que tombaram na troca de tiros e  outros três que  conseguiram fugir. A busca continuou ininterruptamente, porém, sem sucesso!
Quando chegamos, tudo parecia ter saído de um livro de ficção, exceto pelo vestígio de barro negro que havia no trem de pouso da nossa aeronave, dois projéteis deflagrados de nossas armas, além do sargento e eu.
Dias depois, os outros três foragidos foram encontrados roídos de peixe largados numa pequena enseada.


Um conto de José Alberto Lopes-®-aj-aj

Maio de 2012/2014