sábado, 19 de abril de 2014

A FÉ RELUTANTE DE SALATIEL


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      (Foto internete)

 Passaram-se mais de vinte anos desde a partida de Jesus.
       Um dia, correram rumores sobre o seu retorno. Pregava e realizava prodígios. Andava lá pelas bandas da  Galileia, Nazaré.... com muitos seguidores.
       O coração de Salatiel, aquele que fora amigo de infância de   Jesus, se alegrara. Ansiava por vê-lo, porém, como estava na época da vindima, retardou a visita.
       Finalmente bateram em viagem, Salatiel e seu pai Ananias, cada qual montado no seu jumentinho. Sabendo que Jesus  agora estava em Jerusalém, para lá seguiram cada qual  no seu burrico.
       Chegando, encontraram uma Jerusalém em polvorosa, sitiada por soldados romanos. Perguntaram por Jesus, e ficaram sabendo que o motivo de todo aquele movimento, era justamente o filho de Deus.   Caminharam mais e por fim chegaram ao epicentro de tudo. Lá estava  Jesus com os olhos vendados, seminu e coroado com espinhos. Os homens que o detinham, zombavam e açoitavam-no.
       Horrorizado  Salatiel aproximou-se mais e perguntou:
       — Que mal fez este homem para ser assim violentado? Deixe-me passar e ter com ele! Concluiu.
       — Conhece-o? Respondeu com um olhar debochado um dos que açoitava.
       Indignado, o rapaz tentou à força romper  a guarda, mas foi de pronto rechaçado por   algumas chicotadas, sob os risos dos Fariseus... Ananias o socorreu, e se retiraram sem nada poder fazer. Jesus sentiu a presença deles, pois se virando parecia fitá-los bem nos olhos embora estivesse vendado.
       Aquelas chicotadas não lhe doeram tanto quanto aquela imagem de Jesus diante de seus algozes. E assim partiram.
       Andaram algumas léguas e já era sexta-feira, ante véspera das festas dos Asmos, chamada  Páscoa, porém  uma tristeza imensa  caiu sobre a família de Ananias.  Era quase a hora sexta, e mal chegaram a casa, uma terrível tempestade se abateu sobre toda  a terra. O sol escureceu, e houve trevas  até a hora nona. Foi a hora da consumação, como estava escrito nas antigas escrituras. Ananias e sua família permaneceram em oração até o dia seguinte.
       Numa tarde, quando limpava a sua vinha, Salatiel viu  aproximar-se entre umas parreiras, um homem trajando uma túnica tendo  a cabeça coberta. Após alguns passos virou-se e era Jesus. Salatiel ficou estático como uma rocha, sabia que o haviam crucificado. Certo temor o abateu, porém Jesus o acalmou e o lembrou da ressurreição.  Quando Salatiel por fim, tentou aproximar-se, o homem já caminhava a um tiro de pedra de distância e desapareceu entre as videiras.   Salatiel, lembrando do que foi escrito pelos antigos profetas, alegrou-se. Abandonou as ferramentas ali no campo e correu para  a casa levando as boas novas prometidas.

       —Ele vive! Ele vive! Ressuscitou , gritou ele cruzando ofegante a porta da casa.
       À noite, assim que preparavam a ceia, alguém bateu com a aldrava.

       - Quem é? Perguntou Ananias.
       - Alguém que tem fome e sede! Respondeu.
       Então, entrai, bebei e comei conosco. Disse o velho abrindo a pesada porta de carvalho.
      Entrou, e era de fato Jesus, suas mãos e seus pés, tinham as cicatrizes dos cravos, mas seu semblante era sereno. “A paz seja convosco” disse, e  a casa se iluminou. A princípio todos ficaram atemorizados. Pensavam que viam um fantasma ou um impostor. Mas   Jesus acalmando-os disse:
       - Não vos pertubeis. E mostrando mais claramente suas mãos e pés, continuou:
       - Vedes, não sou um impostor, e um espírito não tem carne nem ossos, nem tem sede  e fome! Riu...
       Mesmo assim, Salatiel rompeu abruptamente:
       - És mesmo Jesus?
       - Tu me pareces Tomé!  Replicou.

       E Jesus foi recebido com muito júbilo. E ao redor da mesa onde  se sentara Jesus, estavam  Salatiel; Ananias; Isabel esposa de  Ananias; e Sarina, a caçula, cega de nascença.

       - Então brindemos esta ocasião com nossa melhor safra de vinho. Disse o rapaz saindo para apanhar um odre.
       Mas Jesus interferiu sugerindo que Sarina  fosse buscá-lo.
       - Mas ela não enxerga, nunca desceu lá! Disse Salatiel.
       - Leve a lâmpada, vá! Ordenou Jesus.
       Sem pestanejar, Sarina tomou a lâmpada das mãos do irmão e desceu a escada com devotado cuidado, porém, confiante.
       - Tu honras a nossa casa. Disse Ananias.
       - E vós honrai a presença do filho, e por ele, a casa maior, a casa do pai. Vós sois também testemunhas do que foi escrito nas leis de Moisés, nos profetas e salmos.
       Conversavam tranquilamente enquanto Salatiel se moía preocupado com Sarina.
       - Senhor! Do que vale a lâmpada se minha irmã é cega? Interviu novamente.
       - Cega? Tu acaso descerias agora naquela escuridão sem uma lâmpada?
       Salatiel quedou-se intrigado, pensativo...

       De súbito lá embaixo ouviu-se um grito, era de Sarina.

       - Falei que cairia, gritou o irmão, apovorado!
       Jesus acalmou a todos.
       Alguns segundos depois, Sarina voltava não somente com um odre cheio, mas também, com um largo sorriso e um olhar transbordante  de luz. Enxergava.
       A emoção foi arrebatadora. Sarina prostrou-se diante de Jesus e beijou-lhe as mãos, e todos repetiram o seu gesto. Então disse Jesus:
       - Eis que sobre vós, envio as promessas do pai...

       Depois, retornaram à mesa e Jesus ceiou com eles. Tomou e dividiu o pão, ergueu junto ao vinho, deu graças ao pai e abençoou a todos.

       E aconteceu que os abençoando, ele se apartou da família, sem que eles percebessem, deixando-os na paz.




Um conto de José Alberto Lopes.®

SBC-SP. 17/12/2009

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