quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Um Conto das Arábias

 

Um Conto das Arábias

 

 

                                        Capítulo I

 

Ainda bem jovem deixou seus pais pois resolvera tentar a vida em um outro lugar. Bagdá foi o seu destino. Abandonou Al-Fallujah, sua cidade natal e pegando a estrada até a metrópole, caminhou incansavelmente a pé por vários dias. Levava um cantil e um velho alforje contendo algo para comer, uma coberta e uma pequena flauta de madeira. Chamava-se Salém Namir

Finalmente chegou à Bagdá capital dos Califas. Assim que pisou em seus domínios, ficou maravilhado com as longas alamedas margeadas por belas Tamareiras que amenizavam o calor daqueles que por ali passavam. Além dos jardins bem cuidados também roubavam a sua atenção, a arquitetura dos  pomposos palácios e Suas Mesquitas.

Caminhava a esmo quando de repente viu-se no meio de uma (Suk) rua onde se localizam as tendas, bazares e lojas, como uma espécie de feira-livre muito agitada e nada organizada, onde se vendia  tudo o que se possa imaginar. O burburinho e os pregões dos mercadores o deixaram perplexo. Já presenciara algo semelhante, porém, nunca com aquela multidão.

Continuando a passos lentos por aquelas ruas estreitas, observou um menino maltrapilho e que parecia muito sagaz, furtando principalmente frutas das bancas que ficavam na rua. Apostava no vacilo do vendedor para subtraí-lo. Salém também estava com fome, porém preferia pedir. Mas as suas primeiras tentativas foram frustrantes. Continuou fazendo parte daquela multidão, quando de repente trombou com aquele menino que cabisbaixo se deliciava com o resultado do seu mais recente furto!  Para a sua surpresa, como se fosse algo destinado ele lhe ofereceu algumas daquelas frutas. Sentaram-se num recanto à sombra de uma enorme figueira. Seu nome era Iezid, um Bagdali  um pouco mais jovem que perambulava  nas feiras às vezes com pequenos trabalhos a troco de quase nada. Tentava sempre levar para casa alguma coisa afim de ajudar seus avós.

Após saborearem algumas doçuras Iezid propôs a Salém uma parceria. Enquanto um distraía o vendedor, o outro aplicaria o furto. A princípio o rapaz ficou aturdido com aquilo e recusou a oferta. Mas com o ardil do agora seu amigo e a fome que o afligia, e mesmo sabendo que se arriscava perder as mãos se fosse pego, aceitou a lida!

Porém na primeira investida não tiveram sorte. Na tentativa de roubarem um homem que se apoiava numa muleta, viram-se logo entre duas tempestades de gente. E aquelas pessoas iradas gritavam.:

__ Peguem os ladrões, peguem!!

Iezid, mais ladino, conhecedor dos atalhos partiu em fuga escapando dos perseguidores, porém o jovem Salém, inexperiente, foi preso. Amarraram seus pés e mãos, cobriram-lhe os olhos e o levaram até  um deserto e lá o deixaram à própria sorte. __ Que Allah lhe tenha compaixão, disse um daqueles que o trouxeram. O tropel dos cavalos se afastando foi o último som de algo vivente que ele ouviu. Com muito esforço e suor, conseguiu  afinal se desvencilhar das amarras.

A noite chegava, aterrorizante e silenciosa e percebeu ele que à medida que o sol se punha o ar ficava cada vez mais frio. Percebeu também que  abaixo da superfície a  areia ainda conservava  bastante calor. Então teve uma ideia! Começou a cavar uma espécie de berço para se beneficiar do calor retido. Soprava um vento! Sua primeira tentativa foi muito frustrante, pois deu em  uma superfície muito dura, uma rocha! Tentou mais um e somente no terceiro, conseguiu areia macia e ali cavou uns palmos. Enrolou-se  nos trapos que tinha e deitou-se olhando para o firmamento, única paisagem possível. No céu límpido entre outras, brilhava a inconfundível Al-Schira, nome dado pelos Árabes à estrela Sirius, alfa da “constelação cão maior” e com os olhos fixos na sua luminosidade, adormeceu.

O dia mal raiava, acordou num sobressalto e só então pode perceber de fato a intenção daqueles que o abandonaram ali naquele lugar. Longe das rotas das caravanas, sem água e comida, era impensável que sobrevivesse um ou dois dias. Entrou em desespero e disse a si mesmo. - “Antes tivessem cortado as minhas mãos, sofreria menos”.

Por todos os ângulos que olhasse a paisagem parecia a mesma para onde seguir? Mais uma vez a onda de desespero tomou conta de Salém quando notou que aquele mesmo sol vermelho já queimando o seu rosto, refletia milhares de minúsculos cristais no lugar onde à tarde/ noite tentara cavar em vão. Curioso aproximou-se e conferindo com detalhes, não teve dúvidas. Aquilo era chamado de ouro branco. Acabara de descobrir uma salina.

A certeza daquela descoberta, era a mesma de que se saísse dali vivo, íntegro, seria um homem rico. Acalmou-se pela primeira vez, apanhou a sua pequena flauta e tocou uma melodia que aprendera quando ainda era criança. Agora o silencio do deserto tinha uma companhia. Embalado pelo som que tirava, quase não percebeu uma voz que vinha , parecia, além de umas dunas. Parou e  atentou certificando de que não era um engano. Mais alguns segundos e ouviu com mais clareza:

__ Salém, Salém, Salém! Cadê você?

Assustado levantou-se e protegendo os olhos com as mãos, custou a acreditar. A pouca distância alguém montado descia uma pequena elevação.

__ Salém, Salém. Insistiu!

Para a sua felicidade e espanto era Iezid, o bagdali que sem intenção o colocara naquela situação. Vinha ao passo lento de um camelo magro e extenuado.

__ Por Allah, você está vivo!

__ Como me encontrou aqui, nesse deserto?

__ Você não está assim tão longe das rotas das caravanas. Ouvi quando eles falavam do lugar. suba aqui e veja.  

Cumprimentando efusivamente o amigo, perguntou:

__ Tem alguma coisa para comer e beber? Estou desde ontem quase a morrer de fome!

Um pouco de água e uns  pães amenizaram a situação. E enquanto faziam o desejum  Salém agradeceu mais uma vez o  amigo e  abraçando-o disse:

__ Fidelidade assim como essa, nunca encontrei em lugar nenhum e em agradecimento e confiança e por dever-lhe minha vida, vou te revelar uma coisa!

Caminharam alguns passos e:

__ Por Allah! Gritou Iezid  pulando de alegria! É sal e da melhor qualidade, eu acho. Agora você é um homem rico!

__ Quer ser meu sócio? Perguntou.

__ Se essa honra me for dada! – Mac Allah (Poderoso é Deus) Respondeu quase aos prantos.

Abrindo um surrado alforje Iezid lhe ofereceu uma peça de Fustan.

__ Mas isso é roupa de mulher, retrucou.

__ Coloque  sobre a cabeça, é para disfarçar. Passaremos pela cidade e aqueles  malucos ainda estão por lá, lembra? Vamos para a casa de meus avós.

__ Está bem caro amigo! Mas me responda uma pergunta: Onde você arranjou esse animal que ora nos suporta?

__ Digamos que peguei emprestado, respondeu sorrindo.

E assim, partiram os dois sobre o dorso daquele camelo magro e ainda extenuado.

  

 

                                               Capítulo – II


Já ao sol  a pino atravessando a cidade, deram com uma grande  comitiva. Eram homens trajando roupas  vistosas, algumas cobertas de coloridas pedrarias, cada qual em seu belo Jamal (camelo). Curioso, Salém perguntou do que se tratava:

E eram, o Califa e Beremiz, este, o famoso calculista, rodeados por seus guardas protetores.

__ Beremiz, o calculista! Interessante, a sua fama  também chegou lá em Al-Fallujah comentou brevemente.

E continuaram ao passo lento do velho camelo!

Chegando próximo ao destino saltaram e com uns tapinhas na perna do bicho, disse Iezid:

__ Vá, guerreiro! Vá para seu dono e diga a ele que agradecemos pelo empréstimo.....

 Caminhando por uma trilha chegaram a uma pequena vila onde se erguiam casas muito humildes.

__ Aquele é o meu avô, apontou para um velho sentado próximo à entrada de um casebre. Depois de uma doença, nunca mais ficou bom, não reconhece ninguém. Aquela é a minha vó. Ela é cega mas conhece cada palmo desse lugar. Completou.

Chegaram sorrateiros  porém a avó logo percebeu alguma coisa e perguntou:

__ É você não é? E onde você andou que sumiu logo cedo? E quem veio junto?

__ Um amigo que conheci na cidade. Vou ser o sócio dele vovó! Respondeu com ar de felicidade.

__ Falando sério, o senhor Faruk esteve aqui na parte da manhã e novamente você não estava, passei vergonha. Mas ele volta daqui uma semana. Concluiu enquanto preparava  a massa para os pães que ela vendia  ali mesmo.

Foram para um rancho contíguo onde havia uma tina com água para o banho. No percurso Salém percebeu que alguma coisa estava errada com o amigo e interferiu:

__ De repente parece que você ficou chateado, triste. Quem é esse senhor Faruk?

Foi num estalar de dedos que Iezid se atirou aos braços do amigo e caindo em prantos lhe revelou algo inusitado.:

__ Então você não é Iezid? E qual seu verdadeiro nome?

__ Leilá. Respondeu cobrindo o rosto com as mãos espalmadas.

Assim como Iezid se atirou em seus braços, Salém num instante se desvencilhou dela. E o silencio de alguns segundos pareceu de um século.

Na verdade, devido à pobreza em que viviam, Leilá fora há algum tempo prometida  a esse homem chamado Faruk. Agora era somente uma questão de tempo. Bastaria que ocorresse a primeira menstruação e a pobre pertenceria definitivamente à esse homem, que na verdade a compraria por uns míseros dinares. E era disfarçando-se de menino que planejava fugir de casa para sempre, livrando-se  desse momento tão doloroso.

Abismado e quase sem jeito, Salém pediu-lhe calma e disse:

__ Não se preocupe, somos sócios, lembra? Lhe dei a palavra. Amanhã trataremos disso com o Califa e esse senhor Faruk, nunca mais lhe pertubará! A calma voltara a reinar e com o consentimento da avó, o amigo pode ali pernoitar.

Ter uma audiência com o tal Califa era coisa quase impossível a curto prazo. Então tiveram uma ideia. Salém se colocaria como conhecido de Beremiz. Usaria o prestígio do calculista junto à corte e com um pouco de sorte, quem sabe conseguiria seu intento. E a sua astúcia fora coroada de êxito.

No dia marcado lá estava o jovem Salém caminhando pelos corredores do palácio, guiado por um escravo bastante solicito. Parecia um labirinto trabalhado com o mais puro mármore de várias nuances. Um belo jardim onde três jovens  cuidavam das flores ficava de fronte à longa janela do salão-mor do Califa.

___ Salã Aleikum! No que eu posso te ajudar, jovem?

Curioso foi, que após explanar sobre a pauta, que era o ponto principal, a conversa acabou se alongando para outros assuntos. E se estendeu tanto que só foi interrompida porque a voz do Muezim começava a ecoar pelos quatro cantos da cidade chamando os fiéis para a oração da tarde! E acrescentava em alto e bom som: __”Lembrai-vos de que tudo é pó, exceto Allah!”

Na manhã do dia seguinte, bem antes de o sol chegar, já estavam a caminho. Foi um longo e duro percurso. Finalmente lá estavam e para a surpresa de Salém  Beremiz fora designado para calcular a extensão da salina, além de testemunha para a elaboração de documento de posse, onde também seria feito os cálculos para as taxas devidas, posto que toda aquela extensão de terras pertencia ao próprio Califa. O que se apurou afinal, foi que se tratava de  uma reserva muito promissora.

 

 

                                         Capítulo - III

 

Não demorou e o resultado daquele bafejar de sorte, bambúrrio, como queiram, já o projetava como um importante homem de negócios. Com efeito transitava pelos ambientes mais sofisticados, junto ao Califa; o próprio Calculista; o Cheique;  Emir e importantes mercadores dentre outros.

Mas a afeição maior ele conseguiria do próprio Califa. Muito provavelmente porque ele havia há algum tempo perdido o seu primogênito, ainda muito jovem e a presença de Salém o reportava ao próprio filho. A amizade entre eles, parecia em dado momento,  coisa entre pai e filho.

Era comum em algumas noites, depois das orações, uma pequena reunião recreativa onde o jovem, agora, homem de negócios, já se apresentava como figura sempre presente principalmente na mesa de jogo. O Xantrange, uma  forma modificada do jogo de xadrez conhecida no ocidente. Ali o jovem também se destacava pois era um exímio enxadrista e firmava ainda mais o orgulho do Califa sobre ele.

Numa tarde a cidade apresentava um grande movimento, fora do que era comum. O centro, principalmente o Suque, estavam praticamente tomados por uma grande caravana vinda de Damasco. Era comum que duas ou três vezes por ano isso acontecesse. Traziam novidades que abasteciam também os mercadores locais.

Naquela tarde Salém e agora sua noiva Leilá caminhavam pela cidade à procura de artigos para o enxoval de casamento e por sorte por causa principalmente dos damascenos  que acabavam de chegar, encontraram tudo o que procuravam.

O ar estava impregnado   por agradável aromas de perfumes que se misturavam aos das especiarias. Enquanto isso os mercadores, apregoavam suas mercadorias com muito estilo numa algazarra sem par.

__ Este perfume  veio do Egito, igual ao usado pela rainha.......

__ Veja a qualidade e a beleza desta cortina, digna dos mais ricos palácios e o preço? Barato, barato!.............

__ Se interessou por este tapete jovem casal? Aproveita, preço de ocasião....

Depois de uma tarde cansativa de compras, Salém deixou a noiva em sua casa  e dirigiu-se para o seu próprio gabinete de negócios. Lá exausto demais jogou-se em um divã e  dormiu como uma pedra! Quando  acordou já era bem tarde da noite e uma lua cheia atravessava a sua janela. E antes que esfregasse os olhos para acordar de vez, alguém chamou pelo seu nome:

__ Salém, Salém! Cadê você?

Saiu do buraco de areia ainda enrolado no seu surrado cobertor, tendo os cabelos molhados pelo orvalho da madrugada e protegendo os olhos por causa do sol que já raiava, assombrou-se. Montado num velho camelo, era Iezid que desesperado perguntou:

__ Por Allah, você está bem meu amigo?

__ É você mesmo? Conferiu Salém com os olhos ainda sonolentos e alegrou-se. Tem alguma coisa para se beber e comer? Concluiu.

__ Trouxe pão e água, toma!

__ E como você me encontrou assim tão fácil?

__ Geralmente é para cá que mandam os pobres que vagam pela cidade. Logo imaginei... A trilha das caravanas não fica assim tão distante. Estamos pertinho do vilarejo onde eu moro com os meus avós. Suba, vamos para casa!

__ Espera um pouco!

__ O que foi?

__ Nada! - Ah! é uma longa história!

E assim partiram os dois em divertida conversa sobre o dorso do velho camelo!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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