sábado, 13 de fevereiro de 2021

A Estátua de Sal

 

A Estátua de sal

 

 

Na distante ilha de Lesbos nasceu e viveu. Ali se transformou numa das mais famosas escultoras gregas! Era bela e jovem a ponto de provocar inveja entre as mulheres e admiração entre os homens.

Seu nome era Tessália e com o tempo acabou também se decepcionando com as mulheres por acha-las falsas, vulgares e por vezes infantis demais, pelo menos  com  aquelas  as quais  se relacionara até então. Desgostosa optou pelo celibato e assim foi por alguns anos da sua vida!

Apesar da solidão em que mergulhara nunca parou o seu trabalho de escultora.

Dentro  da técnica que criara, executava seus ensaios primeiro  em pedra de sal para somente depois em definitivo, esculpi-las em mármore.

Certo final de tarde após dias trabalhando num enorme bloco de sal teve uma visão incomum.   Ao terminar o ensaio uma linda jovem pôs - se à sua frente. Ali estava a perfeição das perfeições, pode-se assim dizer. Admirou-a por todos os ângulos e com muita convicção exclamou bem alto que ali se encontrava o seu ideal feminino. Foi então à primeira vista que se apaixonou por sua criação e deu-lhe rapidamente o nome de Leucádia.

A loucura então se apoderou dela. Foi tanta que não quis perder tempo. Apelou ao conselho implorando à Afrodite que fosse permitida à sua estátua o sopro da vida! Um privilégio raríssimo, já naquela época. E foram dias cruéis de espera. Após inúmeros julgamentos, Afrodite aceitou o pedido, porém lhe deixou também uns conselhos: “ Que não tardasse em passar do ensaio para o  mármore, assim, com segurança a sua criação seria para sempre a sua amada, a criatura dos seus sonhos.

Numa tarde cansada da lida e ansiosa por esperar, Tessália caiu num sono profundo. Mas não o bastante para perceber, lá pela madrugada, que alguma coisa excepcional atravessava o portal do seu aposento. A passos lentos viu a mais bela das silhuetas aproximar-se da cabeceira do seu divã. Espantada e quase incrédula, viu finalmente o seu ideal feminino, a paixão da  sua vida, que meio tímida cobria com as mãos o sexo e os seios. Era finalmente Leucádia em carne e osso, um ser humano como pedira à deusa Afrodite. Era da mesma altura da sua criadora, esbelta, rosto com uma simetria ímpar, pele clara como o mais fino sal do Mediterrâneo, olhos azuis como o Egeu e cabelos negros e encaracolados. Conferiram-se mutuamente e se abraçaram demoradamente. Tessália, derramando lágrimas de alegria ofereceu-lhe então uma vestimenta da moda, um Chiton e sandálias de couro.  A paixão se transformara num grande amor e por esse amor ela era capaz de tudo.

Estavam sempre juntas e reciprocamente se ajudavam até nas mais simples tarefas. Depois dessa feliz realidade, de forma definitiva, a também bela escultora sabedora que jamais repetiria essa proeza quando a trabalhasse no mármore, resolveu não arriscar e por nada arriscaria. Ignorou então os conselhos recebidos.

Numa tarde recebendo uma carta viajaram para Atenas. Foi a convite da academia de artes e ofícios. Lá também aproveitariam para celebrar os primeiros meses de união. A primeira boda.

O local de trabalho se encontrava fechada por um bom tempo. Depois do seu maravilhoso prêmio Tessália já não mais esculpia e os pedidos se avolumavam. O seu amor por Leucádia era o seu principal motivo de vida, parecia um vício, um ópio para a sua felicidade. Com isso foi deixando aos poucos o seu  trabalho para segundo plano.

Em Atenas no salão nobre, já na entrada, a beleza das duas mulheres era notada por todos os participantes.

Alguém numa roda de vinho em certo momento disse apontando discretamente para Tessália:--- Vejam senhores que maravilha de mulher, uma verdadeira beldade! Curvilínea, sorriso, andar, perfeição a toda prova, são dignos de um grande escultor, a natureza sem dúvidas.

-- Nasceu para ser uma bela estátua, uma deusa, disse outro.—Soube pela lista de convidados que seu nome é Leucádia e faz companhia  à não menos bela escultora Tessália de Lesbos. Concluiu.

No dia seguinte ao evento, sob um forte verão, lá estavam elas, unidas como sempre. Um passeio ao ar livre como era de costume. Foi num belo campo às margens do rio Cefiso em cujos remansos haviam nenúfares brancas e amarelas. Sobre uma  tapete com motivos florais espalharam frutas e odres de vinho. Riam e se amavam mordiscando uvas e Tâmaras e  entornando taças e taças da solene bebida.

E se amavam tanto quanto riam e bebiam, e os risos eram tantos e tão altos que reverberavam por todo o bosque ao redor. Então, já embriagados, se desnudaram e correram para o rio. Lançaram-se felizes num belo mergulho às águas refrescantes. Abraçaram-se e beijaram-se longamente quase imersos e foi em pleno êxtase que Tessália  percebeu que beijava e abraçava um corpo rígido e com gosto amargo. Ali fugindo de suas mãos  a sua doce Leucádia  se transformara na primitiva estátua de sal e rapidamente se diluía à mercê da correnteza do pequeno Cefiso. Gritando desesperadamente Tessália tentou em vão resgatar o seu amor, mas acabou ela também desaparecendo e seu corpo nunca foi encontrado!

 

 

 

Um conto de José Alberto Lopes. – fev. 2021

 

 

 

 


 

 


 

 

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