A Estátua de
sal
Na
distante ilha de Lesbos nasceu e viveu. Ali se transformou numa das mais
famosas escultoras gregas! Era bela e jovem a ponto de provocar inveja entre as
mulheres e admiração entre os homens.
Seu
nome era Tessália e com o tempo acabou também se decepcionando com as mulheres
por acha-las falsas, vulgares e por vezes infantis demais, pelo menos com aquelas as quais
se relacionara até então. Desgostosa optou pelo celibato e assim foi por
alguns anos da sua vida!
Apesar
da solidão em que mergulhara nunca parou o seu trabalho de escultora.
Dentro da técnica que criara, executava seus ensaios
primeiro em pedra de sal para somente
depois em definitivo, esculpi-las em mármore.
Certo
final de tarde após dias trabalhando num enorme bloco de sal teve uma visão
incomum. Ao terminar o ensaio uma linda
jovem pôs - se à sua frente. Ali estava a perfeição das perfeições, pode-se
assim dizer. Admirou-a por todos os ângulos e com muita convicção exclamou bem
alto que ali se encontrava o seu ideal feminino. Foi então à primeira vista que
se apaixonou por sua criação e deu-lhe rapidamente o nome de Leucádia.
A
loucura então se apoderou dela. Foi tanta que não quis perder tempo. Apelou ao
conselho implorando à Afrodite que fosse permitida à sua estátua o sopro da
vida! Um privilégio raríssimo, já naquela época. E foram dias cruéis de espera.
Após inúmeros julgamentos, Afrodite aceitou o pedido, porém lhe deixou também uns
conselhos: “ Que não tardasse em passar do ensaio para o mármore, assim, com segurança a sua criação
seria para sempre a sua amada, a criatura dos seus sonhos.
Numa
tarde cansada da lida e ansiosa por esperar, Tessália caiu num sono profundo.
Mas não o bastante para perceber, lá pela madrugada, que alguma coisa
excepcional atravessava o portal do seu aposento. A passos lentos viu a mais
bela das silhuetas aproximar-se da cabeceira do seu divã. Espantada e quase
incrédula, viu finalmente o seu ideal feminino, a paixão da sua vida, que meio tímida cobria com as mãos
o sexo e os seios. Era finalmente Leucádia em carne e osso, um ser humano como
pedira à deusa Afrodite. Era da mesma altura da sua criadora, esbelta, rosto
com uma simetria ímpar, pele clara como o mais fino sal do Mediterrâneo, olhos
azuis como o Egeu e cabelos negros e encaracolados. Conferiram-se mutuamente e
se abraçaram demoradamente. Tessália, derramando lágrimas de alegria
ofereceu-lhe então uma vestimenta da moda, um Chiton e sandálias de couro. A paixão se transformara num grande amor e por
esse amor ela era capaz de tudo.
Estavam
sempre juntas e reciprocamente se ajudavam até nas mais simples tarefas. Depois
dessa feliz realidade, de forma definitiva, a também bela escultora sabedora
que jamais repetiria essa proeza quando a trabalhasse no mármore, resolveu não
arriscar e por nada arriscaria. Ignorou então os conselhos recebidos.
Numa
tarde recebendo uma carta viajaram para Atenas. Foi a convite da academia de
artes e ofícios. Lá também aproveitariam para celebrar os primeiros meses de
união. A primeira boda.
O
local de trabalho se encontrava fechada por um bom tempo. Depois do seu
maravilhoso prêmio Tessália já não mais esculpia e os pedidos se avolumavam. O
seu amor por Leucádia era o seu principal motivo de vida, parecia um vício, um
ópio para a sua felicidade. Com isso foi deixando aos poucos o seu trabalho para segundo plano.
Em
Atenas no salão nobre, já na entrada, a beleza das duas mulheres era notada por
todos os participantes.
Alguém
numa roda de vinho em certo momento disse apontando discretamente para
Tessália:--- Vejam senhores que maravilha de mulher, uma verdadeira beldade! Curvilínea,
sorriso, andar, perfeição a toda prova, são dignos de um grande escultor, a
natureza sem dúvidas.
--
Nasceu para ser uma bela estátua, uma deusa, disse outro.—Soube pela lista de
convidados que seu nome é Leucádia e faz companhia à não menos bela escultora Tessália de
Lesbos. Concluiu.
No
dia seguinte ao evento, sob um forte verão, lá estavam elas, unidas como
sempre. Um passeio ao ar livre como era de costume. Foi num belo campo às
margens do rio Cefiso em cujos remansos haviam nenúfares brancas e amarelas.
Sobre uma tapete com motivos florais
espalharam frutas e odres de vinho. Riam e se amavam mordiscando uvas e Tâmaras
e entornando taças e taças da solene
bebida.
E
se amavam tanto quanto riam e bebiam, e os risos eram tantos e tão altos que
reverberavam por todo o bosque ao redor. Então, já embriagados, se desnudaram e
correram para o rio. Lançaram-se felizes num belo mergulho às águas
refrescantes. Abraçaram-se e beijaram-se longamente quase imersos e foi em
pleno êxtase que Tessália percebeu que
beijava e abraçava um corpo rígido e com gosto amargo. Ali fugindo de suas mãos
a sua doce Leucádia se transformara na primitiva estátua de sal e
rapidamente se diluía à mercê da correnteza do pequeno Cefiso. Gritando desesperadamente
Tessália tentou em vão resgatar o seu amor, mas acabou ela também desaparecendo
e seu corpo nunca foi encontrado!
Um
conto de José Alberto Lopes. – fev. 2021
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