terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

No tempo dos Bondes

 

      No tempo dos Bondes.

                [Uma Crônica]

 

 

      Uma parede esborcinada de uma antiga fábrica de acordeões era a paisagem permitida  pela única janela do seu quarto de pensão.

A cama era estreita e cheirava a mofo, mas  a comida era muito boa e as diárias eram módicas.

Quando chovia essa parede mais parecia uma grande tela surrealista. À noite, era como se olhasse para uma nesga de céu onde o criador se esquecera de colocar estrelas.

Depois de  seis dias sobre uma velha Remington e montanha de papéis, resolveu ele que no sétimo dia descansaria. Passear um pouco pela metrópole ajudaria a desopilar a cabeça e o corpo, pensou ele. E assim o fez.

Na manhã seguinte olhando por cima do pesado óculos, cumprimentou a dona  do recinto e saiu. Não era a mesma cidade de quarenta anos atrás, quando então se mudara para Curitiba. Caminhou minutos a fio numa espécie  de transe, mesmo com toda aquela aflição de uma cidade grande. Depois, ficou arredio como um cão perdido!

Parou no cruzamento de uma grande avenida que conhecera ainda acanhada. Ficou estático enquanto um filme em branco e preto rolava na tela  de sua mente. Um pedaço da história paulistana deslizando sobre trilhos polidos que sulcaram em tempos idos aquela mesma avenida.

Por ali corriam os bondes levando e trazendo proletários sobre o chamado trilhos do progresso.  A história de um tempo  em que os homens ainda  usavam chapéu e a névoa vezeira da tardinha dava à cidade um ar bucólico.

A história das fábricas com suas chaminés de tijolinhos vermelhos em cujos topos tremulavam diuturnamente longos penachos azuis, brancos ou negros.

Seus funcionários, homens e mulheres, rendidos pelas sirenes uníssonas, se espalhavam em ruidosas e apressadas  procissões. Ali, os bondes, energia limpa e baixo ruído iam e vinham apinhados e capitaneados por seus motorneiros devidamente e impecavelmente trajados, além de sempre solícitos.

O atrito das rodas sobre o aço e o (vrummmm) do gerador, acompanhavam as conversas e os risos dos passageiros.

Lentamente passavam as fachadas dos magazines, as luzes policrômicas dos néons pulsando freneticamente seus reclames. Os bilhares enfumaçados, gente indo, gente voltando...As cantinas típicas animadas por barítonos amadores. Casarões ricos, bem iluminados e cercados por verdadeiras muralhas com seus imensos portões de ferro-fundido. Jardins; cortiços; tinturarias; farmácias; confeitarias; as ruas calçadas com paralelepípedos polidos; além dos gasômetros  que subiam e desciam suas  tampas parecendo  imensas panelas escuras................

       O sinal fechou e abriu umas três vezes, até que de súbito ele fez um gesto involuntário como se estivesse saltando do estribo dum bonde em movimento.. Depois, finalmente atravessou a grande avenida, literalmente conduzido por uma multidão apressada e indiferente!




De JAL.- 2021

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